domingo, 11 de setembro de 2016

O Derby de Manchester


O Manchester City de Pep Guardiola e o Manchester United de José Mourinho defrontaram-se ontem, em Old Trafford, no duelo mais mediático da 4ª jornada da Premier League. O Manchester City, estruturado em 4-3-3, alinhou com Bravo (em estreia absoluta pelo novo clube); Sagna (uma meia-surpresa, já que se esperava a titularidade de Zabaleta), Stones, Otamendi e Kolarov; Fernandinho, David Silva e Kevin De Bruyne; Sterling, Nolito e Iheanacho (rendeu o castigado Agüero), enquanto o Manchester United, em 4-2-3-1, apresentou De Gea; Valencia, Bailly, Blind e Shaw; Fellaini e Pogba; Mkhitaryan (no lugar de Mata), Lingard (no lugar de Martial) e Rooney; Ibrahimovic. Uma constelação de estrelas, portanto, com dois treinadores de classe mundial no banco de suplentes e um ambiente incrível nas bancadas.

Embora os minutos iniciais do Manchester United tenham sido prometedores, com a atitude mandona que se exige à equipa que joga em casa, foi sol de pouca dura, pois o Manchester City, após um período inicial de algum nervosismo, estabilizou e arrancou para uma primeira parte de grande nível: com bola, um ótimo jogo posicional, com linhas de passe e posicionamentos bem definidos a cada momento, para permitir à equipa evoluir no relvado de forma apoiada; sem bola, uma pressão altíssima e sufocante, a “abafar” por completo os comandados de Mourinho, que se afundaram no campo e foram incapazes de ligar três passes seguidos por largos períodos de tempo. Otamendi e Stones fortíssimos na antecipação e no encurtamento dos espaços, David Silva a encher o campo com a sua movimentação e qualidade a gerir ritmos e Iheanacho a fazer um bom trabalho a ligar setores e a segurar a bola para a equipa subir em bloco. Foi por isso com naturalidade que o City se adiantou no marcador, aos 15 minutos, por intermédio de Kevin De Bruyne, num lance, porém, algo incaracterístico, a fazer lembrar o mítico “kick and rush” britânico – bola longa de Kolarov, Iheanacho, em apoio, amortece para De Bruyne, que ataca a profundidade, dribla Blind e finaliza com classe. A toada manteve-se e, aos 36 minutos, Iheanacho ampliou a vantagem, numa recarga a um remate ao poste de De Bruyne. O intervalo aproximava-se a passos largos e o City tinha o adversário completamente manietado, mas um erro do estreante Bravo (um dos muitos disparates que fez ao longo do jogo, diga-se) alterou por completo as coordenadas de uma partida aparentemente controlada; num livre lateral batido por Rooney aos 42 minutos, Bravo quis ir buscar uma bola que não era sua, chocou com Stones e deixou a bola à mercê de Ibrahimovic que, com a qualidade na execução que todos lhe reconhecem, fez o 1-2. Aí, o United galvanizou-se e, ainda antes de Mark Clattenburg apitar para o descanso, o extraordinário avançado sueco teve nos pés o empate, mas falhou clamorosamente.

Após o intervalo, Mourinho fez duas substituições (Rashford e Herrera entraram para os lugares de Mkhitaryan e Lingard) e modificou também alguns posicionamentos, com Rooney e Rashford a fecharem os corredores laterais, Fellaini mais próximo de Ibrahimovic e Herrera e Pogba no duplo pivot, mas também bastante subidos. Beneficiando de um pressing mais alto e de um jogo mais direto, o United começou a criar mais dificuldades ao City, com algumas recuperações altas perigosas, mas Guardiola respondeu rapidamente, fazendo entrar Fernando para o lugar de Iheanacho e alterando o sistema de jogo para uma espécie de 4-6-0, sem uma referência fixa na frente. A ideia era boa – assegurar novamente a superioridade numérica no miolo e retirar as referências à linha defensiva do United, para aproveitar o espaço existente nas costas da pressão – mas não funcionou em pleno, pois, sem Iheanacho na frente a fornecer os apoios verticais e com Nolito e sobretudo Sterling muitas vezes incapazes de dar a melhor sequência às jogadas, o City começou a perder muito bolas no último terço e deixou-se mesmo encostar às cordas em alguns momentos. Nesta fase, o jogo “partiu” completamente e tornou-se numa partida de parada-resposta típica da Premier League, ou seja, com “bola cá bola lá”, uma intensidade altíssima e ambas as equipas a beneficiarem de oportunidades para fazer, quer o 1-3 (De Bruyne enviou outra bola ao poste e David Silva, à entrada da grande área, atirou a rasar a barra), quer o 2-2 (Ibrahimovic, a passe de Rashford, mandou por cima da baliza, já bem dentro da grande área, e Rashford chegou mesmo a introduzir a bola na baliza, mas o golo foi invalidado, por fora-de-jogo posicional de Ibrahimovic), bolas paradas à parte. Contudo, o resultado manteve-se inalterado até final e o City saltou para a liderança isolada da Premier League (4 vitórias em outros tantos jogos), em mais uma vitória de Guardiola sobre Mourinho, a 8ª em 17 confrontos entre os dois treinadores.

Resumindo, a vitória tangencial dos pupilos de Pep Guardiola espelha bem o que se passou em campo: o City foi muitíssimo superior na primeira parte e justificou plenamente a vantagem, o United equilibrou a contenda na segunda parte e criou algum perigo, mas nunca conseguiu impedir o City de continuar a criar oportunidades em transição ofensiva, pelo que o resultado ajusta-se perfeitamente. De salientar também os diferentes estados de maturação dos dois modelos de jogo: enquanto na equipa de Guardiola já existe uma ideia de jogo clara (os posicionamentos para sair a jogar já estão bem oleados, bem como os timings e referências de pressão, e com alguns jogadores a conseguirem já associar-se entre si), do lado oposto, honestamente vê-se pouco trabalho tático, com uma organização defensiva, no máximo, razoável, um par de combinações ofensivas mais ou menos mecanizadas e pouco mais. Muito esforço, mas poucas ideias, pouco pensamento coletivo, pouco entrosamento entre os jogadores…José Mourinho tem ainda muito trabalho pela frente se quer colocar o United a lutar pelo título até ao fim.


Individualmente, do lado do Manchester City, há dois destaques óbvios: Otamendi, imperial na primeira bola, com uma leitura superior dos lances e quase sempre com critério a sair a jogar, e o formidável David Silva, provavelmente o melhor jogador de futebol dos vinte e dois que subiram ontem ao relvado. Fernandinho, Kevin de Bruyne e Stones a muito bom nível também. Do lado do Manchester United, como a organização coletiva não está ainda no ponto que Mourinho certamente deseja, as exibições individuais ressentiram-se, mas Bailly (sempre no caminho da bola) e Pogba (há quem diga que fez uma exibição discreta, mas o seu jogo ganha maturidade quando atua em posições fora do bloco e que exigem decisões mais criteriosas e seguras) foram os elementos em maior evidência. Ibrahimovic sempre inconformado e boas entradas de Rashford e Herrera, a mexerem com o jogo e a justificarem uma aposta mais regular.

No que toca à arbitragem de Mark Clattenburg, pese embora as críticas de José Mourinho, na verdade ficou um penalty por marcar para ambos os lados: aos 55 minutos, Bravo tenta fintar Herrera, adianta a bola em demasia e atinge Rooney; e aos 70 minutos, num lance confuso na pequena área do United, Bailly atropela Otamendi e impede-o de disputar a bola em condições.

Uma incrível Premier League em perspectiva, com todas as condições para a cidade de Manchester se assumir como o centro do universo futebolístico...Para já, neste duelo de titãs, Guardiola ganhou o primeiro round.