quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O fim da continuidade

3 anos e 11 meses depois de assumir o cargo de selecionador da equipa das quinas, Paulo Bento deixou o cargo. A meia final alcançada no Euro 2012 fica registada como o momento mais alto de uma estadia que, a partir de certa altura, se tornou insustentável.

Esta saída apenas peca por tardia. Anteriormente no Pés e Cabeça, já havia sido comentada a péssima abordagem da Federação relativa ao assunto. Os problemas da Seleção no Mundial também, aquiaqui e aqui.

O jogo com a Albânia apenas veio confirmar os maus indícios deixados no Brasil. Ofensivamente, a Seleção foi do pior possível a este nível. Contra uma equipa que apesar da grande densidade de jogadores presentes em zonas defensivas muitos erros defensivos cometeu, Portugal nunca conseguiu descobrir o melhor caminho para a baliza contrária. Ao invés, foi lateralizando e despejando bolas na área adversária. Tadeia dizia que era esse o caminho e que era necessário investir ainda mais nos cruzamentos. Não Tadeia, o problema não ser preciso ainda mais cruzamentos. Era CRIAR. Não houve preocupação (tirando um ou outro jogador à margem das ideias da equipa) em criar boas oportunidades, superioridade numérica para atacar zonas importantes. Atrair defesas para abrir espaços. Variar o portador com jogo de apoios para acabar em movimentações de rutura verticais ou diagonais. Nada. Os últimos minutos então foram desesperantes. Se até ali não tinha havido um pingo de cabeça para furar o bloco albanês, com 4 ou 5 jogadores colados à linha defensiva contrária ainda mais difícil se tornou a situação e foram 0 as boas ocasiões de golo. Antes de procurar finalizar há que procurar abrir espaços para, aí sim, atacar em boas condições. Por vezes parece que é esquecido que a fase de concretização é antecedida por inúmeras outras de igual importância (senão maior) pois sem boas oportunidades os golos mais dificilmente surgem. Os processos da seleção eram pobres e a saída de Paulo Bento tornou-se um caminho inevitável face (não só) aos resultados mas à falta de ideias de qualidade.

Surge agora uma luz ao fundo do túnel. Pessoalmente, Vítor Pereira seria a minha escolha. Duvido é que aceite um cargo destes na altura da carreira em que se encontra. Fernando Santos tem sido veiculado como o mais provável sucessor. Neste assunto, uma opinião bem fundamentada aqui.

Veremos quem será o escolhido. O grupo pode não ser tão forte como há uns anos atrás mas pode, sem qualquer sombra de dúvidas, apresentar um futebol muito melhor. Caberá ao próximo selecionador aproveitar o talento à sua disposição, aproveitar processos dos clubes onde estes se encontram e desvalorizar estatutos. Venha daí uma lufada de ar fresca que esta seleção bem o precisa.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

O regresso a casa

Na última crónica deste blog, falamos de Cesc Fàbregas e do facto do seu regresso ao Arsenal, clube onde se tornou no jogador de classe mundial que é, poder ter sido uma realidade neste mercado de transferências. Tal não aconteceu, e o espanhol acabou por assinar com o Chelsea de José Mourinho, tendo já brilhado no seu primeiro jogo oficial pelos "Blues".

Hoje, no entanto, assistimos mesmo à confirmação de um regresso a "casa". O regresso a Alvalade de Luís Carlos Almeida da Cunha ou, como todos o conhecemos, Nani. O extremo de 27 anos regressa ao clube que o formou, que o lançou na alta roda do futebol e que, com ele, conseguiu a maior venda da sua história, quando em 2007 o Manchester United pagou pouco mais de 25M€ por ele. Os primeiros tempos em Manchester até foram um sucesso, e cedo se começaram a gerar grandes expectativas à sua volta, sendo apontado por muitos como um "novo" Cristiano Ronaldo, que por essa altura era a estrela maior de um United imponente e poderoso. No entanto, as épocas foram passando, e Nani nunca chegou a confirmar todo o potencial que lhe era reconhecido. O talento esteve sempre lá e, a espaços, mostrou pormenores grandiosos e fez sonhar muitos adeptos, mas nunca conseguiu atingir a regularidade que sempre caracterizou o actual craque do Real Madrid. Aliado a isso, começaram a surgir as lesões, que o deixaram de fora durante largos períodos de tempo. Foi perdendo o seu espaço em Manchester, e nesta pré-temporada acabou por ser dispensado por Van Gaal, que entendeu não haver lugar para o internacional português no seu plantel.

Chega agora ao Sporting, por empréstimo com a duração de uma temporada, na tentativa de relançar a sua carreira, e de ainda ir a tempo de regressar aos principais palcos europeus. Para o clube, é um acréscimo brutal de qualidade num dos seus sectores mais debilitados (as alas). Um jogador que, mesmo não estando actualmente ao nível que já apresentou no passado, continua a ser uma grande contratação e um aumento de qualidade para o próprio campeonato. E para o jogador, pode ser a oportunidade de recuperar a alegria de jogar, de recuperar a sua confiança, que parece ter desaparecido nos últimos meses. Em Alvalade, Nani poderá ser o líder do ataque leonino, a referência de toda a equipa. A estrela. E jogadores como ele necessitam dessa pressão, desse reconhecimento. Necessitam de ser acarinhados, para que possam explanar toda a sua magia. E que melhor lugar para isso do que a sua "casa". É o casamento perfeito.

Será muito bom se Nani corresponder às expectativas e conseguir voltar a demonstrar toda a enorme qualidade que lhe é reconhecida. O futebol agradece. Porque jogadores como ele contribuem positivamente para a magia do desporto.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O retorno do filho pródigo. Ou talvez não...



O Arsenal e o seu treinador Arsène Wenger declinaram o retorno de um dos seus ídolos, o catalão Cèsc Fabregas. Pode-se dizer que o filho pródigo foi rejeitado pelo seu próprio pai…
Em jeito de introdução, relembro que o mítico nº4 foi um dos melhores médios que o Arsenal conseguiu ter na sua equipa (também apimentando a formação e o facto de ter chegado muito cedo a Londres) e que surge numa altura em que sobravam alguns resquícios das brilhantes equipas que o Arsenal tinha tido há poucos anos atrás e onde “apenas” contava com nomes como Bergkamp, Henry, Pires, entre outros.
Fábregas foi um dos top class players que ficou no Arsenal, mesmo após uma perda de poder gunner face a outras equipas que teimavam a não deixar o clube continuar na senda vitoriosa que até aí se encontrava - casos do Chelsea de Mourinho, o Man United de Sir Alex, um rival Tottenham mais consistente e intrometido nas contas do top4 e um City a endinheirar-se de petrodólares.          
Após algumas novelas de Verão, Cesc Fàbregas voltou ao seu querido Barcelona para se juntar ao tiki-taka catalão que devorava o Mundo pela mão de Pep Guardiola. O resto, é o que se sabe: um Arsenal entusiasmante ofensivamente mas com as suas constantes falhas defensivas (principalmente na transição) e que se contentava com um lugar no top4; um Barcelona a conquistar um lugar na história pelo uso intensivo da sua cantera, pelos sucessivos passes rasteiros e trocas posicionais, e, por conseguinte, pelas vitórias avassaladoras.


Acontece que a época passada (2013/2014), face também à inadaptação de Tata Martino ao estilo de jogo “barcelonesco” (que levou a um 2º lugar na La Liga e a uns Quartos de Finais da Champions) e à quebra da hegemonia do Barcelona, foi anunciado que Fàbregas queria sair do clube para se juntar, à que ele considerava ser, a melhor liga do mundo: a English Premier League.

Tudo faria sentido: o filho que desejava voltar a casa e um pai de braços (e bolsos) abertos à espera de filhotes que lhe trouxessem mais evidência futebolística – Fábregas tinha de ir para o “seu” Arsenal. Para favorecer toda esta situação, existia uma cláusula de recompra de “só” 25M de libras. Tudo estava perfeito: iríamos ver Fábregas a espalhar magia por Londres.
Acontece que … tal não se verificou – pelo menos não no lado que se suponha. Conforme anunciado por Wenger numa conferência de imprensa, tinham acabado de rejeitar Cesc Fàbregas de volta ao Arsenal.
A decisão é tão hedionda quanto ridícula e tem contornos inacreditáveis… Vejamos: 
  1. Fàbregas despontou no Arsenal a jogar como médio box-to-box e como médio-ofensivo (atrás do ponta-de-lança), com movimentos de ruptura – não só através de condução e progressão com bola, mas também com desmarcações notáveis sem bola, aproveitando um arrastamento da linha defensiva provocada pelos seus colegas. No Barcelona jogou a médio-interior do 4-3-3 e do 3.4.3, a extremo e na posição chamada “falso nove”. Na verdade, Fábregas joga onde for preciso: a trinco, médio-centro, box-to-box, interior, nº10, extremo, ponta-de-lança, you name it! Consigo antever quase todas as posições do meio-campo para a frente em que Cesc conseguia dar o seu (enorme) contributo a uma equipa de futebol, apresente-se que esquema táctico se escolher. Aliás, a qualidade é tão abusiva e tão gritante que até a central daria um jogador fantástico. 
  2. Wenger acumulava uns longo 8 anos sem um único título e muitas desculpas se apontaram nesse sentido: delapidação do seu plantel (Fábregas a sair, Clichy, Nasri, Van Persie, Song etc.). Será somente este o problema? A eterna questão da transição defensiva e um gabinete médico frequentemente visitado (metodologia de treino desajustada?) continuam por explicar e por resolver … 
  3. Com a suposta liberdade financeira que agora abunda pelo Emirates Stadium, gastar 25M de libras num jogador fantástico como Cesc Fabregas seria o quê…? Um luxo inexcedível? 
  4. Wenger clarificou que para a posição de Fábregas já teria Mesut Ozil, contratado por 50M de euros no defeso passado. Mas os bons jogadores não podem jogar juntos? Seria assim tão grave colocar Ozil numa ala e colocar Fabregas atrás de Giroud? Ou mudar o sistema para um losango (aproveitar a quantidade de médios criativos que o Arsenal possui) e colocar Giroud e Fàbregas lá na frente? Ou jogar lado a lado no duplo pivot com Ramsey/Wilshere/Arteta/Flamini e deixar Özil a desequilibrar lá na frente?
  5. Quereria Wenger um catalisador mais possante para acabar de vez com o jejum e lutar por algo mais ambicioso do que contratar um jogador que já foi capitão do clube que treina e que é um dos melhores médios do mundo? Quereria Wenger um tónico mais forte que contratar um dos melhores jogadores do mundo para assustar a concorrência, inspirar o seu balneário e confirmar todo o potencial de “futebol bonito e prático” que o Arsenal tem vindo a fabricar nos últimos anos? 
  6. Por último, deixá-lo ir para um rival geográfico e para um dos concorrentes mais fortes ao título inglês é qualquer coisa de inacreditável…




De facto, poucas razões sobram para Wenger sequer justificar uma decisão tão absurda quanto esta.
É certo que o Arsenal deu ontem 3 secos a um fraquito City na Community Shield, que Aléxis (o novo timoneiro gunner) brilhou e que a exibição alegrou todos os gooners espalhados pelo mundo… Mas o meu “gut feeling” é que esta rejeição a Fàbregas foi só uma consequência da estratégia (errada, aparentemente) que Wenger tem dado ao clube desde a sua senda Invincible: muita parra e pouca uva – muita expectativa inicial e pouquíssimos resultados concretos.

Como simpatizante do Arsenal, espero que isto sejam só exageros da minha parte e que o Arsenal consiga efectivar todo o seu potencial futebolístico e conquiste algo significativo. O futebol agradece.
 

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O Futebol é Tóxico?

A falência do Banco Espírito Santo está na ordem do dia. Curiosamente pouco se tem falado nas implicações deste facto em relação ao futebol nacional. Talvez porque seja um tema de certa forma hermético. Talvez porque estamos em período de férias. Talvez porque é uma questão demasiado delicada e ninguém parece devidamente habilitado a levantar a ponta do véu sobre certos negócios e engenharias financeiras que nos últimos tempos têm suportado a atividade dos clubes, em particular os mais fortes. Talvez porque todos têm telhados de vidro nesta matéria e é difícil apontar o dedo aos outros...


É conhecida a relação próxima que o Grupo Espírito Santo mantinha com o futebol. A começar pela presença de um dos homens fortes do Grupo até há bem pouco tempo nos órgãos dirigentes do Sporting (José Maria Ricciardi), passando pelos patrocínios aos 3 Grandes, pelo suporte à gestão dos passivos dos clubes e suas Sociedades Anónimas e culminando na gestão direta de Fundos de Investimento exclusivos de Benfica e Sporting. É óbvio e natural que a queda da família Espírito Santo e seu grupo empresarial tenha reflexos profundos na vida e gestão dos principais clubes portugueses, mais que não seja porque deixaram de poder contar com os seus principais interlocutores na banca.

Os relatórios e contas das 3 SAD, a 30 de junho de 2013, apontavam para uma exposição global de Benfica, Sporting e FC Porto ao BES num valor superior a 200 milhões de euros, sendo cerca de dois terços relativos a dívida de curto prazo. Mais de metade desta exposição é responsabilidade da SAD benfiquista. 

É impossível dissociar a recente febre de venda de ativos benfiquistas desta realidade. Ao contrário do que tem acontecido com os seus rivais nota-se desmesurada urgência na realização de transferências por parte do Benfica. Vende-se tudo, a qualquer preço, desde que haja comprador. Vão-se os anéis tentando preservar os dedos.

Encontro dois motivos que justificam esta necessidade:

1 - O Benfica contraiu em dezembro do ano passado um empréstimo obrigacionista no valor de 50 milhões de euros com maturidade de 1 ano e emissão organizada pelo Banco Espírito Santo de Investimento, SA. Desde 2010, pelo menos, que o Benfica cumpre o pagamento das obrigações contraindo novo empréstimo obrigacionista. Sempre com o BES como parceiro privilegiado. Agora já não há BES e desconfio que a facilidade para contrair novo empréstimo desta dimensão daqui a 4 meses não será a mesma...

2 - O Benfica Stars Fund é um fundo de investimento criado em setembro de 2009 com duração prevista para 5 anos. Sim, o prazo deste fundo de valores mobiliários termina daqui a 2 meses. Do Relatório e Contas da Benfica SAD relativo à época de 2012/13: "À data do presente relatório ainda não foi tomada uma decisão sobre a opção a tomar no final do período previsto para o Fundo. A contabilização dos activos e passivos decorrentes do Benfica Stars Fund, assim como o reconhecimento dos rendimentos no período, foi efectuada no pressuposto da continuidade do Fundo após 30 de Setembro de 2014.

Embora a Espírito Santo Activos Financeiros, SGPS (ESAF) tenha transitado para o Novo Banco não é líquido que, com a nova administração, haja continuidade do Benfica Stars Fund. E o que é certo é que vários dos jogadores que tinham parte dos seus direitos económicos no Fundo já foram vendidos (Kardec, André Gomes, Rodrigo, Garay, Cardozo).

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Ideia, Concepção, e Modelo: confusões conceptuais

Não faz sentido treinar sem ideias. Não apenas ideias sobre o treino, mas fundamentalmente ideias sobre o jogo e sobre comportamentos pretendidos. Cabe ao treinador elaborar uma lógica de funcionamento interno da equipa, um conjunto de guidelines transversais a um jogar, e que resultem em intencionalidades colectivas que visem desmontar a infinitesimal quantidade de problemas que o jogo coloca ao longo da sua alternância infinita e contínua entre os quatro momentos. Desta forma, não se ensina um jogo global, porque não existe um jogo global. O processo de treino é fundamentalmente um processo de ensino, um processo de ensino de mecanismos não-mecânicos sustentados em ideias, e isto pressupõe tomar partido de algumas ideias de jogo em função de outras. Não se procura aqui fazer a defesa de determinadas ideias em detrimento de outras, mas sim perceber a sua existência. A existência de ideias variadas, e fundamentalmente, a sua coexistência saudável num paradigma onde, axiologicamente, nenhuma é superior a outra... a não ser na cabeça do treinador.

Ao tomar partido de determinadas ideias em função de outras, o treinador recorre a um conjunto de vivências, experiências e reflexões que servem de pilares orientadores do que virão a ser os princípios de jogo da equipa. A construção deste sistema relacional é do plano axiológico porque implica opção de determinadas ideias e formas de estar em função de outras. Ninguém dúvida que o futebol, na ideia de Mourinho, é diferente do futebol na ideia de Guardiola. Nem seria preciso passar para o campo, para a aplicabilidade, para os intérpretes ou para o treino para o dizer. As escolhas dos comportamentos com e sem bola fazem-se, numa primeira instância, através dessa ideia de jogo. Essa ideia habita, consciente ou inconscientemente na cabeça de cada treinador. É mutável porque todos vemos futebol, todos pensamos o futebol, todos mudamos (mesmo que só) a um nível mais micro algumas das nossas ideia sobre o jogo. Importante é definir que numa primeira fase surge a ideia: antes do clube, antes dos jogadores, a ideia vive já na cabeça de um treinador antes deste sequer estar empregado num clube.

Posteriormente, surge a concepção de jogo. Tal como referi, a ideia é prévia à operacionalização, mas para operacionalizar a concepção tem já de estar presente. A ideia pode ser alterada em alguns níveis pelos constrangimentos situacionais do contexto em questão. Como procurar ter posse esmagadora se o adversário é muito mais forte tecnicamente que eu? Como defender alto se os meus defesas são lentos e o guarda-redes não sai da baliza? Como procurar a vertigem nas transições se culturalmente, os sócios do meu clube gostam que a equipa tenha bola e remeta o adversário para o seu meio-campo? A concepção emerge da ideia de jogo, não sendo a ideia na sua totalidade. Aproveita-se das suas bases, mescla-se com a componente contextual e transforma-se em concepção. A concepção é o que se operacionaliza, são os princípios que norteiam os objectivos do que se deve passar no treino durante a semana e está sujeita às características dos jogadores e ao pano de fundo cultural do clube.

Finalmente, falemos do chavão que ganhou força nos últimos anos, e que de tão banhado na corriqueirice do jornalismo desportivo quase que perdeu o sentido: o modelo de jogo. Concebe-se o modelo de jogo como o produto final, aquilo que nós, enquanto meros observadores externos do fenómeno, temos oportunidade de ver. Tem necessariamente uma relação umbilical com os anteriores, e presume-se que a qualidade do processo de treino o aproxime da concepção de jogo. O modelo nasce do que falei anteriormente, mas está sujeito a um conjunto de variáveis incontáveis, porque é o que é meramente observável. Caracteriza-se por uma série de regularidades e padrões intencionais do jogar que são visíveis e identificáveis por alguém que pode perfeitamente não conhecer o treinador, a sua concepção, ou mesmo a sua forma de operacionalizar.

Como é fácil de perceber, ideia de jogo, concepção e modelo, não são de todo a mesma coisa. Grassam confusões conceptuais entre conversas e entre a imprensa especializada, mas importa estabelecer as devidas diferenças, para quem gosta de falar de futebol... com pés e cabeça.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Defender... por defender

Com a pré-época já a decorrer em 95% das equipas profissionais, esta parece ser a altura ideal para começar a abordar o que se passa dentro das 4 linhas... mas longe das luzes dos jogos oficiais.

Aqui acreditamos no treino como base de sustentabilidade para tudo o que uma equipa mostra (e não mostra) no jogo, assim como tomar o jogo como bússola orientadora para o treino semanal. Uma relação simbiótica e inquebrável, que dentro das circunstâncias corretas pode permitir a uma equipa qualitativamente mediana alcançar resultados acima do esperado. Grande parte desse salto baseia-se em duas premissas fundamentais: na qualidade das ideias do Modelo de Jogo e na operacionalização das mesmas por parte do treinador. Quanto mais eficazes forem estes dois fatores, mais hipóteses existem para que os bons resultados apareçam. 

Foquemo-nos então nessas duas vertentes. Aquando do planeamento de qualquer exercício, duas questões surgem que necessariamente devem ser endereçadas:

- Qual é o comportamento que quero que os meus jogadores adquiram através da execução do exercício?

- Como vou condicionar o exercício de forma a que esse comportamento surja, de forma natural, múltiplas vezes?

Analisando a forma atual da equipa, há que perceber qual o momento do jogo ou situação específica que urge ser alvo de foco. Tal deve ser feito com a noção que a vertente tática tem necessariamente que surgir como regente superior. Contextualizando isso com os princípios do Modelo de Jogo da equipa, temos a resposta à primeira pergunta.

A segunda questão exige mais trabalho e maior conhecimento. Com o material existente à disposição (que muitas vezes é insuficiente), há que saber usar todas as variáveis existentes para nos aproximarmos o máximo possível do comportamento pretendido. Dimensões do campo, múltiplas balizas, número de jogadores, objetivos do exercício, tudo pode e deve ser moldado. Mas, acima de tudo, nunca esquecer que o jogo é um processo contínuo, com linhas orientadoras globais inerentes a qualquer equipa em qualquer parte do Mundo e que o feedback durante o treino deve corresponder aquilo que o exercício pede e não o contrário.

Um (mau) exemplo disso é o seguinte:

- Forma: 5x5.

- Dimensões: 15m x 15m.

- Objetivo: Manutenção da posse de bola. Após 10 passes a equipa em posse ganha 1 ponto. Para quem defende, o objetivo é recuperar a bola para trocarem funções. Jogo contínuo.

- Condicionantes: Obrigatoriedade de jogar a 2 toques.

Não vou sequer entrar na discussão da utilização da regra dos 2 toques porque apenas me quero focar na ausência de uma referência espacial orientadora. Este problema afeta principalmente quem defende. O objetivo, para quem ataca, é apenas manter a bola. Tudo bem, posso concordar com isso porque em vários momentos do jogo a posse não tem necessariamente de ser orientada para a baliza. Podemos estar a falar duma saída de zona de pressão, por exemplo. Mas e a defender? Sem qualquer referência que oriente o posicionamento de quem defende, o que o exercício acaba por promover é a marcação H-H e a completa falta de racionalidade espacial. Porque senão vejamos: eu estou a defender e tenho um colega na bola. Se o meu objetivo é recuperar a bola e não tenho baliza para defender a opção mais eficaz é marcar um adversário para que no momento em que ele solicitar a bola eu a intercepte. O jogador não é burro e sem condicionantes que o dirijam para o objetivo correto vai sempre optar pela solução mais eficaz, que neste caso é marcar ao homem. E se o treinador exigir o contrário, que hajam coberturas a quem sai à bola, queima-se porque não tem qualquer lógica defender com contenções\coberturas se não houver um eixo que guie o posicionamento. Perde a razão e perde a confiança do jogador.

E agora? Estou a passar a mensagem que a melhor maneira de defender é H-H e não à Zona. Se esse for o objetivo do treinador então o exercício é bom, as ideias não. Se esse não for o objetivo então a operacionalização está errada. E estamos a falar de um exercício imensamente usado por este país fora, inclusive por treinadores de 1ª Liga.

Treinar a circulação de bola? Sim, quanto mais melhor. Mas com exercícios que respeitem a inteireza do jogo e que não castrem dum lado para beneficiar do outro.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

O entendimento inevitável

Já por aqui falei sobre o alheamento e desvalorização a que os principais clubes de futebol portugueses votaram os assuntos relacionados com a Liga por ocasião das recentes eleições para os seus órgãos dirigentes. É um alheamento que decorre do esvaziamento de competências da própria Liga e que já tem alguns anos. Sem a arbitragem, a disciplina e a justiça é convicção dos principais clubes que as matérias que ainda competem à Liga não justificam o seu envolvimento direto. A Liga ficou, assim, à mercê dos clubes pequenos, de vistas curtas, subordinados a lógicas de protagonismos e egos pessoais. Ficou, em suma, um caos. E os clubes com maiores responsabilidades assistindo, impávidos, numa atitude de quem acredita que os problemas existentes estariam condenados a resolver-se sem terem necessidade de utilizar os seus esforços, capacidades e influências.


Não podiam estar mais errados! Há uma matéria fundamental e determinante que ainda reside no âmbito de competências da Liga: a organização das competições. Sem competições não há negócio! E sem orçamento para as organizar não há competições! E hoje a Liga não tem dinheiro. Não tem patrocinadores, não tem abertura legislativa para regular as apostas online, nem tem meios disponíveis para forçar alterações no que respeita aos direitos televisivos. Com o início das competições profissionais agendado para o próximo fim de semana (1ª jornada da fase de grupos da Taça da Liga) ainda ninguém sabe se haverá condições para que elas decorram com normalidade. Não há dinheiro para pagar a árbitros, a funcionários, a delegados e observadores e para a restante panóplia de pequenas despesas imprescindíveis que asseguram a realização dos jogos.

O Governo, via Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, manifestou a sua preocupação; a Federação manifestou igualmente preocupação e convocou clubes e Liga para uma reunião com vista ao estabelecimento de uma plataforma de entendimento que promovesse a procura de soluções para o imbróglio gerado no seio da Liga. Essa reunião serviu, na prática, para "puxar as orelhas" aos responsáveis pelos clubes e para os intimar a que se organizem, que se entendam e que resolvam os problemas que criaram.


Os clubes acusaram o "toque" e nasceu uma comissão de trabalho liderada pelos 3 grandes. É assim que funciona o futebol português. Parecem um bando de catraios birrentos que necessitam de uns açoites para se comportarem devidamente e fazerem o que lhes compete.

Paralelamente vai ser interessante acompanhar o posicionamento das principais figuras neste processo. Bruno de Carvalho, que lutou por entendimentos e consensos sem qualquer sucesso e que, birrento, acabou por votar favoravelmente na lista de Mário Figueiredo, como se posicionará agora? Pinto da Costa, que aparece ao lado dos contestatários em manifestações em bombas de gasolina mas que prima pela ausência nos momentos em que se tomam, de facto, decisões, que papel terá? E Luís Filipe Vieira que não perde nenhuma oportunidade de marcar pontos em termos de liderança e sentido de responsabilidade (toda a comunicação social fez questão de realçar que foram dele as ideias de criação desta comissão e da participação ativa dos 3 grandes no processo), que fará quando vierem à tona assuntos em que tenha posições discordantes dos restantes?

A não perder os próximos episódios desta triste novela...

Declarações de Hermínio Loureiro, à saída da reunião entre a FPF e os clubes:


terça-feira, 22 de julho de 2014

Sporting 14/15: Primeiras impressões

A bola já rola na pré-temporada e os clubes já começam a afinar as "máquinas" e a deixar as primeiras indicações daquilo que será o seu futebol durante a época. O Sporting não é excepção, e já foi possível observar a formação leonina em acção na Taça de Honra da A.F.Lisboa, competição que venceram e onde derrotaram na meia-final o Belenenses por 2-1, e na final o Benfica por 1-0. Estes jogos permitiram também começar a perceber algumas das ideias que Marco Silva pretende implementar no modelo de jogo. Passemos à análise.

Em ambos os jogos, o Sporting dispôs-se no 4-3-3 que já apresentava com Leonardo Jardim, sendo que em alguns momentos do jogo o esquema se transformou em 4-4-2 (nomeadamente no momento defensivo, com André Martins a aproximar-se de Montero e com os extremos a fecharem o seu corredor) e até num 4-2-3-1 (quando em organização ofensiva, com Adrien mais próximo de Rosell, nestes dois jogos, e André Martins mais solto na frente, a aparecer entre linhas e a apoiar de forma mais directa Montero na zona central). No entanto, já foi possível notar algumas diferenças entre o Sporting de Jardim e este "novo" Sporting de Marco Silva. Desde logo, o próprio posicionamento de André Martins. Com Jardim, o médio pareceu sempre demasiado preso a uma dinâmica que o retirava do espaço entre linhas e o obrigava a passar cerca de 80/90% do tempo sem bola e junto ao flanco direito, procurando apenas arrastar marcações e dar profundidade à equipa (procurando o espaço nas costas do lateral adversário, para receber o passe vertical do lateral direito (Cédric), o que acontecia várias vezes por jogo) para de seguida cruzar. Parecia até que, para Jardim, André Martins só possuía verdadeira importância no aspecto defensivo, pelo dinamismo que impõe no jogo e pela capacidade que tem de ler o jogo e perceber qual o momento certo para sair na pressão ao portador da bola. Permitia ao Sporting pressionar alto sem se desequilibrar, aspecto essencial para Jardim, que preza acima de tudo os equilíbrios defensivos nas suas equipas.

Ora, com Marco Silva, estas instruções no aspecto defensivo permanecem. Mas ofensivamente, André Martins já parece outro jogador. Muito mais solto, recua sempre que possível da posição 10 para procurar receber a bola fora do bloco adversário e assumir a construção, aparece mais frequentemente em zonas de finalização (e embora não seja propriamente forte nesse aspecto, até já conseguiu fazer um golo que valeu um troféu ao Sporting) e voltou a estar mais próximo de Montero, combinando mais vezes directamente com o colombiano na zona central. Isto inclusive ajuda a que Fredy se possa soltar mais dos centrais, saia da zona central e procure tocar mais a bola e tê-la mais vezes em sua posse, aspecto que só beneficia o Sporting, visto que o colombiano é extremamente criativo com bola, é muito forte tecnicamente (talvez o melhor avançado do campeonato nesse aspecto) e tem um entendimento do jogo muito acima da média, sabendo sempre quando soltar a bola e tomando quase sempre a melhor decisão para dar continuidade ao ataque leonino.

Outro dos aspectos em que já estão bem presentes os princípios de jogo de Marco Silva são os apoios. Contra o Benfica, em alguns períodos do jogo, foi impressionante ver o Sporting a jogar de forma apoiada em todo o campo (até nos pontapés de baliza já se notam diferenças, com a preocupação de sair sempre com a bola controlada, com os centrais bem abertos, os laterais a dar profundidade e o 6 a vir receber a bola quando as restantes opções estão bem defendidas pelo adversário), com muito critério de passe e com muita fluidez na circulação de bola (foram várias as jogadas em que diversos jogadores jogaram a 1/2 toques, acelerando o jogo). Desde logo, a principal ideia que captei de ambos os jogos, foi a de que o Sporting pretende ter sempre a bola e pretende saber sempre como estar e o que fazer com ela em todos os momentos do jogo. Quer a atacar, quer a defender. A equipa está mais próxima ofensivamente, e é agora mais fácil jogar a bola de pé para pé do que era no modelo de jogo de Jardim, que privilegiava a profundidade e a verticalidade. Além disso, este Sporting já possui outras noções de jogo, e já parece perceber qual o caminho para, mantendo o seu futebol apoiado, desequilibrar a organização defensiva adversária. Em ambos os jogos desta pré-época, foi possível observarmos a equipa a atrair o adversário para um dos corredores laterais (na maioria das vezes o direito) com sucessivas tabelas simples e triangulações, apenas para depois soltar a bola no pivot defensivo (Rosell) que, com a grande qualidade de passe que possui, variava rapidamente o centro de jogo, encontrando facilmente espaço e desequilíbrios (possibilidade de 1x1 para Capel na ala esquerda e por vezes até 2x1, com a subida de Jefferson) na organização defensiva adversária. Isto demonstra uma evolução enquanto equipa naquilo que considero ser um dos aspectos mais importantes para se construir uma equipa de qualidade: a leitura e o entendimento do jogo. Este Sporting parece claramente estar noutro patamar relativamente ao Sporting de Jardim nesses aspectos. E mesmo defensivamente, já surgiram vislumbres de uma evolução. A coesão defensiva sempre foi o forte do Sporting na época transacta. As linhas estavam sempre bem organizadas e equilibradas, as basculações defensivas eram feitas com qualidade e não era fácil penetrar na defensiva leonina quer pela zona central, quer pelos corredores laterais.

Mas nestes dois jogos da Taça de Honra, já foram perceptíveis algumas ideias que poderão levar o Sporting para outro nível também no aspecto defensivo, sobretudo em transição defensiva. Este Sporting pressiona alto também, mas de forma diferente. Não se baseia apenas na capacidade defensiva de André Martins numa primeira fase. Sobe antes as linhas, em bloco, e pressiona de forma organizada, defendendo mais o espaço e não atacando tanto a bola. No jogo contra o Benfica, por várias vezes se viram os laterais do Benfica a serem obrigados a bater longo na frente, pois o Sporting demonstrou-se sempre muito competente na forma como fechou as linhas de passe mais próximas do portador da bola e lhe foi progressivamente encurtando o espaço e forçando o erro. Entrando na comparação, podemos dizer que o Sporting de Jardim atacava forte o portador da bola, mas ocasionalmente dava liberdade àqueles próximos dele. Já este Sporting parece "sufocar" o portador da bola e tudo em seu redor, quase parecendo que, de repente, o campo encolhe e passa a ter apenas meia dúzia de metros. Apontamentos muito interessantes.

Em suma, as primeiras impressões sobre este Sporting são claramente positivas. A equipa mantém a consistência e a coesão que trazia da época passada, e numa fase ainda embrionária da época, demonstra já evolução em vários aspectos do jogo, e dá indicações de ainda poder evoluir muito mais e de poder rapidamente chegar a um patamar superior em termos qualitativos. Logicamente, são apenas as primeiras impressões, e ainda existe imenso trabalho por fazer. Mas de uma coisa não tenho dúvidas: o Sporting está claramente no caminho certo.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

João Teixeira

Há certos jogadores que não enganam. Este é um deles. Um par de jogos como titular na equipa principal foram suficientes para se perceber a enorme pérola que a formação benfiquista possui. O que mais surpreendeu foi a maturidade com que encarou as várias situações que foi encontrando ao longo do jogo. Não há linha de passe segura? Conduz até um adversário sair à bola para depois soltar. Há escolha entre lateralizar ou verticalizar pela zona central? Sempre espaço central e fá-lo com eficácia. É necessário equilibrar a última linha pela saída de um central ou lateral? Lá vai o miúdo. É preciso deixar a zona de ação e fazer cobertura ao homem que saiu na pressão? Invariavelmente, ele diz presente.

As qualidades são muitas e o potencial parece indicar que, a longo-prazo, João Teixeira procurará desafios que a Liga Portuguesa não lhe conseguirá oferecer. Mas há que dar tempo para que a evolução seja sustentada (sem a pressão habitual dos adeptos que esperam sempre o aparecimento do próximo Rui Costa) e dentro dum contexto que o obrigue a crescer.

Com Fejsa de fora até 2015 e Rúben Amorim como única melhor opção a curto-prazo para o lugar, será uma afronta se o jovem jogador não ficar no plantel. Mesmo que não faça tantos minutos como faria se saísse por empréstimo, as vantagens de crescer sob a orientação de um dos melhores treinadores da Europa são muitas e poder treinar diariamente com grandes jogadores, inserido num contexto de qualidade e que o obrigue constantemente a lutar para melhorar, é algo que o ajudará a evoluir no caminho certo... para que não se torne em mais um caso mal gerido.

domingo, 20 de julho de 2014

Curtas da pré-época

Vimos ontem, pela primeira vez, a nova cara de um FC Porto que, pelo menos no que conta a nomes, entusiasma bastante. Essa é a primeira nota a ressalvar, do meio campo para a frente e tendo em conta o nível da nossa liga, a qualidade individual é mais que muita.

Apesar do pouco tempo de trabalho de Lopetegui, há algumas ideias que parecem ser padrão na forma de jogar do FC Porto, umas melhores que outras. Comecemos pelo que me pareceu pior. Em primeiro lugar, a falta de paciência em organização ofensiva e no momento em que recuperava a bola, que forçou o jogo para frente, sempre a privilegiar um jogo mais partido, com mais protagonismo para os extremos, o que leva ao segundo ponto. Deu sempre a ideia que Josué joga a pivot porque tem uma enorme qualidade de passe longo, que permite criar situações de 1x1 para os extremos, principalmente para Tello. Aliás, houve momentos em que a melhor solução nem era essa, mas o destino era sempre o mesmo. Estes dois factores fazem com que o FC Porto fique mais frágil em organização ofensiva, principalmente num aspecto em que poderia ser fortíssimo, no jogo interior, com jogadores como Oliver, Josué e Evandro, que perdem bastante protagonismo e com isso o jogo perde criatividade e variabilidade.

O jogo de ontem teve também dois factores que me agradaram. Desde logo a enorme vontade de defender onde se quer atacar. Várias vezes se viu uma primeira linha de pressão muito perto da área do Genk e, apesar de por vezes ser uma pressão muito descoordenada, também é verdade que o FC Porto conseguiu recuperar várias bolas já no último terço. O senão, para já, é que quando esta primeira zona de pressão foi batida, os extremos e os interiores demoraram muito a recuperar, o que rapidamente criou situações de inferioridade numérica, especialmente através de desequilíbrios na profundidade dos laterais adversários. O segundo factor positivo, foi o jogo que Rúben Neves fez. Incrível a facilidade com que varia o jogo, lateral e vertical, a simplicidade com que sai de situações complicadas. Parece que joga há vários a este nível, sempre com enorme facilidade em se ajustar para que possa receber e dar sempre uma saída de zonas de pressão. Tendo em conta a recente contratação de Casemiro é esperado que o Rúben fique a jogar na equipa B em vez de desperdiçar um ano a jogar nos sub - 19.

Domingo haverá mais um jogo. Com mais uma semana de trabalho, será possível verificar se estes comportamentos têm algum tipo de evolução para que a qualidade de jogo justifique o entusiasmo que para já se verifica.


quinta-feira, 17 de julho de 2014

24

Não, apesar do título, este texto não é sobre a famosa série de televisão superiormente protagonizada por Kiefer Sutherland. 

Agora que o mundial de futebol terminou é tempo de nos dedicarmos a questões mais domésticas.

A época 2014/15 já começou oficialmente. É verdade. Ainda a fase final do mundial ia a meio, no início do corrente mês de julho, e já se jogavam as primeiras pré-eliminatórias para a Liga dos Campeões Europeus e para a Liga Europa.

Por cá a bola também já vai rolando, com os primeiros jogos de preparação. As equipas estão em plena fase de pré-temporada, os treinadores preparam os jogadores que têm disponíveis e os dirigentes procuram as melhores oportunidades de compra e venda para montarem os melhores planteis possíveis. É um tempo em que todos os adeptos sonham, com esperança redobrada, em poder assistir a uma época em que os objetivos das equipas que apoiam sejam cumpridos.

Na semana passada foram efetuados os sorteios das competições profissionais organizadas pela Liga: Primeira Liga, Segunda Liga e a 1ª fase da Taça da Liga. De relevante, pelo que se ouviu e comentou, só um aspeto mereceu destaque: o Sporting desloca-se ao Estádio da Luz no último dia de agosto para cumprir a 3ª jornada do campeonato. Eu optei por verificar a confirmação de algo que já suspeitava: um campeonato da 2ª Liga com 24 equipas vai ser um martírio...


 Um campeonato profissional com 24 equipas pode não ser novidade na Europa. Mas deve ser muito raro. E em Portugal é inédito. No espaço de 3 anos a 2ª Liga portuguesa cresceu, em número de clubes, 50%. De 16 passou para 22 com a integração de 6 equipas B e este ano passa para 24 por via de um alargamento cujas causas não são evidentes mas com efeitos concretos: não houve despromoções na época passada!

O alargamento para 24 foi inicialmente justificado como base para uma mudança mais radical: a divisão da 2ª Liga em duas séries de 12, tendo como fundamento a redução de custos. Sim, porque uma deslocação de Chaves a Portimão não é nenhuma brincadeira. Porém essa proposta não foi aceite pela maioria dos clubes sem que se percebesse porquê. Talvez o sério risco que alguns clubes corriam em não defrontar o Benfica B sustente esta recusa...

O facto é que um campeonato a 24 implica 46 jornadas. Se lhe juntarmos um jogo na Taça de Portugal e três na Taça da Liga temos um mínimo de 50 jogos oficiais a disputar por estes clubes. E como o ano só tem 52 semanas e as competições param para férias, pré-época, compromissos das seleções e para a tradicional pausa natalícia é evidente que a calendarização não é fácil. Essa dificuldade comprovou-se. O campeonato tem 12 jornadas agendadas para quartas-feiras; há 2 períodos (em fevereiro e março) com 5 jornadas encaixadas no espaço de 2 semanas; entre 27 de julho e 31 de agosto há equipas que disputarão 10 jogos oficiais, juntando o campeonato à fase de grupos da Taça da Liga.
 
As implicações em termos de custos, dimensionamento dos planteis, regime de treino, tempos de recuperação, incidência de lesões são mais ou menos óbvias. As futuras críticas ao modelo por parte de treinadores e dirigentes são expectáveis. A fraca adesão dos adeptos, principalmente nas jornadas disputadas a meio da semana, não espantará.

E fica a minha pergunta: como é que não aparece ninguém que ponha travão a tanto disparate?

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Retrospetiva do Mundial

Terminou a maior competição do panorama futebolístico. Foram 4 semanas de futebol, numa competição recheada de golos, surpresas, festa e com a confirmação que o antigo ditado ainda se aplica: "São 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha". Mas foi realmente este um dos melhores Mundiais de sempre? Vejamos: 

AS 4 SEMI-FINALISTAS

Das 4 equipas que chegaram às decisões finais, apenas uma apresentava um futebol de qualidade: a Alemanha. E aqui fala-se em futebol de qualidade com a premissa de ideias coletivas de valor, não da dependência de individualidades para atingir a vitória. 

Comecemos pelo 4º classificado: o Brasil. Desde o 1º jogo que os canarinhos apresentavam deficiências coletivas graves. Superioridade na zona da bola? Nem a defender, quanto mais a atacar. Apesar de não defenderem com referências individuais per se, em todos os jogos existiram uma mão-cheia de erros defensivos a surgirem da tentação de seguir o adversário e não a ocupação racional dos espaços. No ataque era cada um por si. A partir do momento em que a bola entrava num dos 4 homens da frente, o objetivo era sempre procurar espaços longe do portador, sem nunca haver a preocupação (e paciência) para procurar melhorar as circunstâncias do lance e os melhores timings de entrada. Além disso, a pressão a que os jogadores foram expostos antes e durante o Mundial pagou-se caro a partir do momento em que os erros começaram a sobrepor-se à qualidade individual dos jogadores. Os 10 golos sofridos nos últimos 2 jogos são uma consequência disso mesmo. Contra equipas mais competentes o véu caiu e deixou as (graves) falhas à mostra. Sem rumo nem capitão ao leme, os brasileiros caíram numa espiral negativa, orfãos da capacidade para se levantarem devido à falta de ideias coletivas de qualidade. Culpa de Scolari que nunca conseguiu dar à equipa princípios de jogo de valor, dum país que esperava demais daquilo que a seleção foi oferecendo e duma federação que se recusa a evoluir, como se copiar ideias de que faz as coisas bem fosse uma afronta.

A Holanda é um caso paradigmático deste Mundial. Equipa baseada (será "baseada" a palavra correta quando não sabiam fazer outra coisa?) em transições rápidas, foi avançando na competição pelas veleidades dadas pelos adversários. Mas uma coisa é verdade: com espaço, esta Holanda é muito perigosa. Van Persie é fantástico a movimentar-se e Robben foi figura maior duma equipa que jogava com o seu ADN. Mas... e quando não existia espaço para transitar em velocidade? Pois. As coisas complicavam e muito. Em organização ofensiva, a Holanda era extremamente previsível: bola num flanco, roda pelo trinco\centrais e bola para o outro flanco. Constantemente. A variação do centro de jogo é uma boa opção para abrir espaços no adversário. Mas tal só dá frutos se após a criação de espaço houver intenção de entrar pela zona central e desequilibrar em definitivo o adversário. Caso contrário é bola a rodar, sempre por fora do bloco, e cruzamento. E era isso que acontecia, com um rácio de aproveitamento claramente deficitário. Já defensivamente, o dedo a apontar a Van Gaal surge pelas marcações individuais (até no meio-campo!) dos seus jogadores. Ao defenderem com linhas recuadas e 3 defesas-centrais, promoviam a aglomeração de jogadores em zonas importantes. Mas isso não equivale a defender bem. Foram várias as vezes em que a defesa holandesa se viu aos papéis com o arrastar de marcações dos seus homens mais recuados. Não existiam referências zonais a ocupar e o foco era sempre o adversário. Para alguém que no passado deu passos tão importantes na evolução do futebol, Van Gaal deixou muito a desejar.

A Argentina foi um caso semelhante, em menor escala mas com um trunfo de peso: Lionel Messi. Sem ele, os argentinos não teriam conseguido chegar onde chegaram. Analisaremos a performance do astro argentino mais à frente, pois para já importa analisar a qualidade da equipa de Sabella... que não foi muita. Parecia um filme saído dum relvado dos anos 80. 3 ou 4 jogadores para atacar, os restantes para defender. Equipa completamente partida em transição e com extremas dificuldades em controlar os espaço a meio-campo pela falta de plasticidade da linha média. Com bola existiam boas intenções (portador com linhas de passe próximas, boa ocupação do espaço central, mobilidade dos apoios) mas nada de transcendente. E muitas vezes eram Lavezzi e Di Maria, no seu jeito desengonçado, que lá desequilibravam o adversário com a reconhecida facilidade no 1x1\2. A chegada à final foi feita constantemente no limite, com um único golo de diferença em todos os jogos. Salvou Messi mas os problemas eram visíveis e com a extraordinária qualidade individual presente na equipa, Sabella devia e podia ter feito muito mais.

A Alemanha foi consistentemente a melhor equipa deste Mundial. Com alguns defeitos sim, mas no panorama global mereceu ganhar a competição porque jogou o melhor futebol. São, a par da Espanha, o país com melhores perspetivas futuras em termos de jogadores e ideias de jogo. Nos primeiros dois encontros alguns erros posicionais em posse deixavam no ar dúvidas quanto ao controlo do espaço, com a equipa desequilibrada e sujeita a transições perigosas pelo mau posicionamento das suas peças. Mas rapidamente resolveram o problema. O controlo da profundidade a defender alto foi, para mim, o ponto alto desta seleção. Ofensivamente beberam daquilo que Guardiola deu este ano ao Bayern e construíram uma equipa forte em posse e mortífera em contra-ataque. Juntando a isso jogadores de craveira ao nível do melhor existe, as condições estavam criadas para se tornarem imparáveis. Especial menção para Muller e Lahm, dois portentos da inteligência que em qualquer posição do onze seriam considerados dos melhores do Mundo.

O MELHOR DA COMPETIÇÃO

A eleição de Lionel Messi como melhor jogador do Mundial deixou muitos surpresos e irritados. A mim não. Messi foi, ao longo da prova, o jogador que mais e melhor agiu nas mais variadas situações com que foi confrontado. Constantemente obrigado a lidar com lances de inferioridade numérica devido a um Modelo com princípios ultrapassados, fazia quase sempre a diferença e optava pela melhor decisão, mesmo que essa decisão implicasse não partir para o drible ou simplesmente manter a posse. Aproveitando a temática, no Lateral Esquerdo fizeram uma excelente análise. Recomendado. 

Um dos maiores argumentos usados para se justificar a "inferioridade" de Messi face a Maradona é o facto de Maradona ter "carregado" a equipa às costas para a vitória dum Mundial. Bem, Messi não ganhou o troféu mas fez exatamente o mesmo. Dentro daquilo que um único homem pode fazer face aos contextos apresentados pelo jogo, Messi deu à sua seleção a hipótese de lutar pelo título mais importante do futebol.. Não foi o melhor marcador, não foi o maior assistente, mas foi aquele que melhor resposta deu às condicionantes do jogo. E por isso merece, mais que qualquer outro, a nomeação de melhor jogador da prova.

A NOSSA SELEÇÃO

Portugal saiu do Mundial de cabeça baixa. Em terceiro lugar do grupo com 4 golos marcados e 7 sofridos, a seleção foi o espelho duma decepção há muito anunciada. Pouco interessa discutir a convocatória e os fatores externos condicionantes. Não foi por falta de vontade e empenho que Portugal caiu tão cedo. Foi por falta de ideias. Os erros cometidos pela equipa foram muitos, desde falta de criatividade da equipa em momento ofensivo até ao ridículo, quase caricaturesco, comportamento da linha defensiva. São tantas as dificuldades que fica no ar a dúvida até que ponto a federação dará liberdade a Paulo Bento para continuar no cargo nos próximos tempos. Já não existe a qualidade da altura de Deco, Rui Costa, Ricardo Carvalho, Figo, ou até uma base de jogadores que jogue junta e tenha boas rotinas (Porto 03\04) e isso exige ainda mais competência a quem gere o futebol nacional. Uma coisa é certa: se não houver mudança (não necessariamente no treinador mas na abordagem do mesmo) as coisas manter-se-ão na mesma.

Em jeito de conclusão, este Mundial foi para mim uma decepção. Equipas a jogar com princípios há muito ultrapassados só prejudica a evolução do futebol. O espectador gosta de golos e foi isso mesmo que houve, em fartura até. No entanto, não surgiram pela qualidade ofensiva das equipas mas pela desorganização defensiva latente. Foi uma prova nivelada por baixo e a análise deve ser feita em termos absolutos, não em termos relativos. Dizem que o clima afetou o futebol praticado. Não refutando esse facto, tal argumento não pode nem deve ser desculpa para a pobreza de ideias demonstrada na competição. Os próximos Mundiais serão na Rússia e no Qatar, dois países com climas ainda mais extremos que o Brasil. Como será aí então?