sexta-feira, 10 de abril de 2015

Agressividade, para que te quero

... para virtualmente nada, pelo menos no âmbito habitual do conceito. A agressividade é, 95% das vezes, entendida apenas como a intensidade com que um jogador enfrenta as disputas de bola. É tida em conta como algo extremamente positivo, merecedora até de ser aspecto diferenciador na escolha de quem joga. Quantas vezes não ouvimos o argumento: "ele tem que jogar porque é muito agressivo e vai a todas!". Quem joga a médio-defensivo por exemplo, não cumprindo este requisito, poucas oportunidades terá de jogar em equipas onde compita com um colega mais agressivo, mesmo apresentando outros argumentos.  É uma mentalidade que necessita urgentemente de ser alterada.

Vamos por partes. Consideremos uma tentativa de recuperação da bola. Existem vários fatores em jogo: zona do campo, equilíbrio da equipa, contexto numérico da situação, distancia das coberturas, colocação dos apoios em condução do portador. Mesmo que nem todos sejam ponderados de forma consciente, todos entram em equação, ditando o timing de entrada e abordagem ao desarme. Uma situação de inferioridade numérica requer uma abordagem diferente (mais contida) de uma situação de igualdade numérica. Um 3x2 onde o portador se encontra perto da linha lateral exige uma atitude diferenciada (colocação dos apoios a dar a linha) de um 3x2 onde o portador está no corredor central. A pressão a um dos centrais adversários perto da sua área com ou sem cobertura requer um comportamento diferente (tentativa de desarme vs orientação para fora). Um extremo canhoto a conduzir pelo flanco direito origina uma abordagem distinta (cobrir espaço interior) de que se fosse um destro. Basta pensar um pouco para concluir que em virtude de situações diferentes são necessárias soluções diferentes, o que por si só remete o índice de boas resoluções para a qualidade de decisão do jogador e não da agressividade em si. Ser agressivo é bom em determinados momentos mas a variedade de situações que surgem ao longo dos 90 minutos exige muito, muito mais que isso. Mais importante que ser agressivo é ser adaptativo. Está na altura de deixar de ver as coisas de forma simplista e reconhecer a complexidade do jogo.

Mas ser agressivo não tem (só) a ver com o ir a todas e entrar nos lances com uma atitude de vida ou de morte. Isso é apenas uma pequena fração do que realmente se passa no jogo. Ser agressivo é, acima de tudo, ser intenso na ocupação do espaço e rápido na tomada de decisão. De que vale ter um jogador que ganhe duelos individuais se metade das vezes não consegue reagir rápido o suficiente à mudança de contexto? Em poucos segundos, com uma perda de bola, um mau posicionamento de um colega ou um passe a romper a pressão, tudo pode mudar. Ser realmente agressivo é conseguir adotar o melhor comportamento, neste caso defensivo, para responder ao imprevisto, porque ser agressivo também é ser criativo.

Alterar o paradigma implica querer perceber o jogo para além do óbvio. Estar disposto a estudar as razões pelas quais o que acontece, acontece. Mas enquanto se continuar a exaltar jogadores por serem "agressivos" e não agressivos (no verdadeiro significado da palavra), pela emoção que dá vê-los mostrar em campo a sua garra, pouco mudará.

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