sábado, 4 de abril de 2015

Uma ambição desmedida: feedback

Ser treinador implica uma boa dose de auto-reflexão. Reflexão para perceber quando algo está errado, mesmo quando tudo parece bem. Quando o problema não está (só) no exterior mas mais perto do que o que seria esperado.

É perfeitamente válido que a ambição guie as nossas vidas. Mas como qualquer ideal, a ambição pode-nos levar por caminhos errados. Quando se quer muito, tende-se a cair no exagero. No treino existem vários exemplos e o excesso e não-filtragem do feedback é um deles. Não porque não caiba ao treinador corrigir os erros dos seus jogadores, mas sim porque o deve fazer na medida correta, no momento ideal. A maneira como se comunica é tão importante como o que se comunica e demasiada informação num curto espaço de tempo prejudica mais do que ajuda. Não há nada mais moroso que implementar novas ideias na cabeça de outras pessoas. Para isso, filtrar o que é transmitido durante um exercício (em quantidade e qualidade) torna-se essencial para que haja uma aprendizagem sustentada e duradoura.

Contextualizemos: um jogador pode cometer vários erros diferentes ao longo de um exercício e cabe ao treinador compreender a relevância de cada um deles. Importa levar em consideração dois aspectos para que a correcção seja eficaz: a magnitude do erro em relação com o contexto do exercício e o perfil do jogador. Após as falhas, o treinador deve começar por tentar compreender o porquê delas surgirem. É habitual no jogador? É provocado pelo exercício em causa? É por má interpretação da situação? Se uma das falhas entrar em conflito com o(s) objectivo(s) do exercício em causa, então esse deverá ser o foco principal do feedback. Tudo o resto deverá ser deixado para segundo plano. A comunicação, através de uma linguagem simples, rápida e fácil de assimilar, deve mencionar o erro, referir as consequências do mesmo e apresentar soluções alternativas que se coadunem com a linha de acção do exercício. Caso não hajam grandes dificuldades na aquisição dos conceitos projectados no exercício aí sim, o foco pode desviar para erros comportamentais consistentes do jogador... desde que a correcção seja, novamente, coerente com o exercício em causa! Se um jogador apresentar falta de confiança em progredir com bola, por exemplo, apenas fará sentido incentivá-lo a mudar se a situação assim o ditar (bastante espaço para que haja sucesso). Quanto a este tema, importa também salientar o "poder" do feedback. Por outras palavras, o sucesso da acção em causa. Em algo que o treinador achar importante o suficiente para intervir, deve esperar pelo momento certo. Se o erro foi feito mas deu resultado, então mais vale ficar calado e esperar. Uma linha recta é o caminho mais válido entre 2 pontos, o que não invalida que uma linha torta não alcance o mesmo, embora que por outros caminhos. Endireitá-la requer tempo e paciência. Quando a altura certa surgir (erro + insucesso), o feedback ressonará mais forte. O que antecede este ideal será na sua maioria desnecessário e apenas pontualmente eficaz. Já o perfil do jogador, assumido na forma do conhecimento do treinador acerca do mesmo, influencia na medida que permite saber quais as debilidades mais urgentes de serem moldadas, a capacidade de "encaixe" do mesmo e, por conseguinte, a melhor forma de abordar o problema. Diferentes jogadores exigem diferentes abordagens, numa pedagogia adequada a cada caso. Um jogador mais orgulhoso precisará de bater mais vezes com a cabeça na parede e só a seu tempo mudará. Deixe-mo-lo fazê-lo. Tentar a custo impingir comportamentos quando existe relutância a mudar, tornará tudo bem mais complicado. O argumento mais bem estruturado do Mundo não chegará a lado nenhum se o receptor não tiver vontade para o compreender.

Acima de tudo, dosear e hierarquizar. Escolher os momentos certos para intervir promove a assertividade e permite não quebrar a fluidez de acção do exercício. Mais: indicações desnecessárias como "passa bem!" ou "decide melhor!", devem ser abandonadas por completo. São desprovidas de conteúdo e apenas servem para desgastar a imagem do treinador e aborrecer quem treina.

Tudo isto pode parecer óbvio e relativamente simples de aplicar. Na verdade, até mesmo o treinador com as melhores ideias pode ser ofuscado pela intensidade da sua ambição. Querer muito em pouco tempo é um conceito aliciante mas difícil de ser aplicado se não debaixo de condições muito específicas. Dar tempo aos jogadores para assimilarem ideias de jogo, aceitar os seus defeitos e particularidades que moldam a sua aprendizagem e evitar o excesso de informação, filtrando-a correctamente, devem ser preocupações da mais alta consideração no processo de gestão do treino.

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