quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Criatividade, Espaço Entrelinhas e Outras Coisinhas

O lance que trago hoje para discussão diz respeito ao primeiro golo do Tottenham contra o Liverpool, a contar para a 25ª jornada da Premier League, num desafio em que os comandados de Mauricio Pochettino até acabaram por sair derrotados por 3-2. A finalização de Harry Kane, muito mal executada por sinal, é o que menos importa na jogada, por isso vamos concentrar-nos na construção da mesma, da autoria dos dois jogadores mais criativos do plantel, Eriksen e Lamela.


A jogada começa com a bola na posse do lateral direito Kyle Walker e a primeira nota positiva vai para a movimentação dos jogadores do Tottenham que, em vez de fazerem «campo grande a atacar», como mandam os livros, optam por aproximar-se, concentrando-se em redor de Walker e oferecendo-lhe linhas de passe próximas. Este movimento conjunto de aproximação ao portador da bola, juntamente com a circulação da bola sempre por dentro, obriga o meio-campo do Liverpool a ajustar o seu posicionamento e o espaço entrelinhas - o ouro, portanto! - fica então descoberto. Se se parar o vídeo aos 8 segundos, quando a bola sai dos pés de Lamela para Eriksen, a distância entre a linha defensiva e a linha média do Liverpool é por demais evidente. Aliás, diga-se que esta má articulação entre sectores é um defeito grave da equipa de Brendan Rodgers e tem sido uma constante, não só esta época, mas também durante grande parte da época passada; provavelmente para tentar resolver alguns problemas de controlo de profundidade que o Liverpool sentiu o ano passado, Rodgers pediu (e pede) à sua linha defensiva que não conceda tanto espaço nas costas, mas com isso só consegue que qualquer equipa, mesmo de menor qualidade, jogue com facilidade dentro do bloco e entre as linhas do Liverpool, já que o meio-campo continua a ter ordens para efectuar um pressing médio/alto. Mas isso são contas de outro rosário...Voltando ao lance em questão, a bola chega por fim a Eriksen, que toma a decisão que desbloqueia verdadeiramente toda a jogada. A tabela com Lamela, com o passe a entrar entre dois médios do Liverpool, é um gesto técnico relativamente simples, mas são poucos os médios ofensivos que, tendo outras opções, decidem forçar o jogo pelo corredor central, metendo a bola ali, no meio de um aglomerado de jogadores adversários. Outro jogador, menos imaginativo, provavelmente tinha optado por jogar no apoio recuado ou mesmo esperado pela subida do lateral, para tentar o overlap. Mas Eriksen não é um jogador qualquer e conseguiu a proeza de decidir rápido, bem e, ao mesmo tempo, com imprevisibilidade. A assistência de Lamela para Kane, atacando o lado esquerdo e depois fazendo a bola entrar do lado direito, apanhando os defesas em contra-pé, é muito boa, mas o mais difícil, que era colocar a bola na zona onde tudo acontece, estava feito.

Dois jogadores com uma criatividade acima da média, com três passes do mais simples que há, foram capazes de ultrapassar oito adversários e de colocar um colega numa situação de 1x1 com o guarda-redes. Oito adversários, repito, ou seja, mais de meia equipa! Muito mais do que passes longos vistosos, pedaladas, cabritos ou vírgulas, criatividade é isto. E uma equipa, não descurando obviamente outras formar de criar oportunidades de golo, nomeadamente através do jogo exterior, será tanto mais imprevisível e versátil a atacar, quanto mais capacidade tiver para recrear jogadas ofensivas deste tipo e quanto mais jogadores com a capacidade inventiva de Eriksen e Lamela conseguir reunir no onze.

3 comentários:

Bashir disse...

Muito máquina o Eriksen. Achas que tinha a regularidade suficiente para figurar num "grande"?
Trazendo o cmpt para aqui, penso que é isso que faz com que o Oscar seja melhor.

Zinedine Zidane disse...

Bashir,

De uma forma geral, mas sobretudo no tipo de jogadores que referes (Oscar, Eriksen, etc), a questão da regularidade tem mais que se lhe diga...Sinceramente, acho que o ser regular ou não depende muito mais do do modelo de jogo, dos companheiros de equipa, da posição em que joga, do campeonato, etc, do que propriamente do jogador em si. Mas sim, acho que o Eriksen poderia ser tão regular como o Özil, o Mata, o Oscar, o David Silva e esse tipo de médios ofensivos que brilham ou já brilharam em grandes equipas. Tem um perfil em tudo semelhante e não vejo porque é que não havia de resultar.

Bashir disse...

Verdade, e a prova está nos próprios jogadores que referiste. Não tenho visto regularidade no Mata e no Özil, mas penso que estão a ser mal aproveitados.

E sim, o Eriksen acaba por ter grande mérito por conseguir o que consegue numa equipa onde faltam alguns executantes da mesma qualidade.

Mais uma vez, bom post!