quinta-feira, 16 de abril de 2015

Notas sobre a noite histórica no Porto

- Que dizer do Porto que entrou ontem em campo? Talvez "avassalador" seja o melhor termo. Empurrados pelo ambiente infernal que se viveu no Dragão, a equipa portuguesa entrou a todo o gás no jogo e teve 10 minutos em que viveu um autêntico sonho. Dois golos (e uma expulsão que ficou por dar a Neuer, no lance do penalti) e uma sensação muito real de que estava a ser feita história;


- Defensivamente, foi um Porto a roçar a perfeição. A organização, as coberturas bem feitas, a entreajuda constante, a fluidez da movimentação colectiva, tudo isto parecia estar a ser representado ali em campo da mesma forma que está representado nos livros. Lopetegui demonstrou conhecer realmente bem Guardiola, e a forma como defendeu foi aquilo que mais feriu o Bayern. Não procurou retirar-lhes a bola nem a iniciativa. Procurou, isso sim, retirar-lhes a progressão. Obrigá-los a circular a bola de forma inócua, na maior parte das vezes (algo que Guardiola tanto detesta). Lopetegui sabe que o Bayern não concebe nunca bater a bola longa na frente, sem pelo menos tentar sair a jogar de forma apoiada. E valeu-se desse trunfo para brindar Guardiola com uma lição táctica: deu espaço aos centrais (linhas de passe seguras para a saída de bola do Bayern) para terem a bola no seu meio-campo, e definiu claramente uma marcação HxH de Jackson Martínez a Xabi Alonso, que impediu o espanhol de pegar no jogo, rodar e organizar. Os alas encostavam nos laterais do Bayern, e Herrera complementava as movimentações de Jackson neste momento do jogo (embora tenha demonstrado, aqui e ali, algumas limitações na correcta ocupação dos espaços). Os restantes jogadores (pelo menos enquanto houve pulmão para isso) defendiam à zona, mas sempre com grande propensão para procurarem jogar na antecipação. Foram várias as bolas que o Porto recuperou desta forma, e esta forma de defender fez com que os centrais do Bayern (Dante e Boateng, mas sobretudo Dante) fossem obrigados a assumir a construção e a arriscarem mais no passe, tendo que recorrer a passes mais complicados e mais longos. É por aí que se começa a explicar a exibição desinspirada do Bayern: pela forma como nunca conseguiram sair com qualidade, por nenhum dos 3 corredores. Mérito total para o Porto, e, além dos aspectos já mencionados, para a forma como a equipa (um pouco à imagem do que tem feito nos jogos grandes durante a época) soube identificar muito bem os timings de pressão, e soube criar o erro no adversário. O enorme trabalho defensivo de Quaresma no segundo golo é um exemplo claro disso, mas existem muitos mais pequenos exemplos ao longo de todo o jogo. Aquilo que o Porto fez ontem, defensivamente, foi dar uma aula de como defender bem. Muito, muito bem;

- Bayern muito abaixo daquilo que pode e deve fazer. Por mérito do Porto, por algumas baixas por lesão que são essenciais dentro do modelo de jogo (Robben é o caso mais flagrante, mas Alaba também é importantíssimo neste Bayern, e é um dos jogadores que confere à equipa uma maior versatilidade e flexibilidade ofensiva, além de toda a qualidade individual que possui) e porque nunca pareceu conseguir encontrar uma boa solução para contornar os problemas criados pela pressão organizada do Porto. Tiveram alguns períodos em que conseguiram sacudir um pouco essa pressão e subir de forma apoiada no terreno, mas nunca controlaram e dominaram o jogo, como gostam de fazer e como conseguem fazer na maioria das vezes. A complexidade do modelo de jogo é notória, e ao vivo salta ainda mais à vista. Incrível a facilidade do Bayern em criar linhas de passe no corredor central e entre linhas. Muito boa a forma como conseguem descobrir soluções alternativas, quando as mais óbvias não resultam. Quando conseguiam instalar-se minimamente no meio campo do Porto, criavam perigo, através da mobilidade de todos os jogadores e da agressividade deles sobre os espaços que a organização defensiva do Porto ia concedendo. Dificílimo de os travar neste momento do jogo. O que apenas confere ainda mais mérito ao trabalho defensivo da equipa de Lopetegui ontem;

- Foi um jogo que exigiu o máximo da qualidade individual dos jogadores. O segundo golo do Porto é um bom exemplo disso. Dante falha ligeiramente a recepção...perda de bola, e golo do Porto. Intensidade máxima. São estes jogos que distinguem os bons dos grandes jogadores. Nesse sentido, do lado do Bayern, só Thiago e Lewandowski estiveram à altura daquilo que sabem fazer. O brasileiro foi sempre o mais inconformado, mas pouco mais conseguiu fazer, além do golo. Já o polaco lutou muito e ainda ganhou várias bolas na frente, mas esteve sempre muito desacompanhado (e como é raro dizer-se isto de uma equipa de Guardiola!). Muller jogou sempre a um ritmo abaixo daquele que era obrigatório nesta partida, e Gotze passou totalmente ao lado do jogo;

- Do lado do Porto, enormes exibições de vários jogadores. Danilo e Alex Sandro estiveram irrepreensíveis em termos defensivos, e fizeram o melhor que podiam fazer em termos ofensivos, dadas as condicionantes do jogo e a forma como o Porto jogou. Brahimi foi muito importante nos momentos em que o Porto queria sair para o ataque e precisava de resistir à reacção agressiva do Bayern à perda da bola. Fortíssimo a guardar a bola e a protegê-la dos adversários até encontrar uma linha de passe segura. Depois, Óliver e Jackson encheram o campo. O primeiro demorou a arrancar, mas depois começou a assumir o jogo, começou a ganhar confiança e espalhou magia, no meio de alguns dos melhores executantes do mundo. A simulação que inicia a melhor jogada do Porto em todo o jogo, aos 56 minutos, está apenas ao alcance de um génio, que vê as coisas mais à frente que todos os outros. Deliciosa. Quanto ao colombiano, é uma máquina, e começam a faltar os adjectivos para esta sua época. Sem jogar há cerca de um mês, entra em campo num jogo desta intensidade e desta magnitude, e faz uma exibição fenomenal. Foi sempre a referência do Porto para as saídas de bola mais longas, e raramente perdeu uma bola para Boateng ou Dante. Segura a bola como poucos avançados no mundo actualmente, e entrega quase sempre com muita qualidade. A capacidade ofensiva do Porto vive muito daquilo que Jackson faz. E ontem ele fez muito. E depois, o faro de golo. Letal na finalização. O 3º golo é um trabalho ao nível dos melhores do mundo. Recebe de forma orientada, contorna o melhor guarda-redes do mundo e finaliza com o seu pior pé. Um (cada vez mais) grande avançado;

- Finalmente, o destaque merecido para o melhor jogador em campo. Confesso: era fã do Quaresma dos seus primeiros anos de carreira. Um fantasista, um desequilibrador nato, um artista dos relvados. Perdeu muito do encanto para mim quando começou a exagerar no individualismo, quando começou a acreditar que podia resolver todos os problemas sozinho, quando começou a valorizar-se mais a si próprio do que à própria equipa. Ontem, no entanto, tive a confirmação de que esse Quaresma está a desaparecer, e que um novo Quaresma está a nascer. Um Quaresma que, finalmente, coloca toda a sua qualidade individual ao serviço do colectivo. Que não tem problemas em sacrificar-se pelo colectivo. Que não tem problemas em fazer do colectivo o maior protagonista (palavra que Lopetegui tanto aprecia). Este novo Quaresma correu kms ontem (e correu bem!), recuperou inúmeras bolas, criou o seu segundo golo através de um grande trabalho defensivo, praticamente retirou Bernat do jogo em termos ofensivos, deu-lhe cabo do juízo quando o espanhol o tentava travar, e mostrou aos 31 anos que nunca se é demasiado velho para se aprender e se evoluir. Hoje sim, merece todo o protagonismo de que ele sempre gostou.


O Porto está em vantagem ao intervalo, mas o mais difícil ainda está para vir. Será preciso manterem este nível, porque na Alemanha já não existirá factor casa ou factor surpresa, e o Bayern irá entrar em campo de orgulho ferido e para mostrar porque razão é unânime considerá-los como uma das melhores equipas da actualidade. Mais do que trabalhar o aspecto técnico-táctico, o segredo está em fazer os jogadores acreditarem que ainda nada está ganho, e que só um Porto de outro mundo, como o de ontem, conseguirá voltar a ser protagonista. Se a vontade for a mesma, se a atitude for a mesma, se a qualidade for a mesma...as meias-finais estarão logo ali ao alcance.

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente crónica do jogo. Não falha nada.

Journalist