terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Balanço de Final de Ano

1. O Sporting, na novela mais quente do Verão, trocou Marco Silva por Jorge Jesus e, à passagem da 13ª jornada, está na liderança isolada do campeonato, com dois pontos de vantagem sobre o Porto e sete sobre o Benfica. Além disso, comparativamente com o mesmo período da época passada, o Sporting tem menos um golo marcado, mas tem mais onze pontos, mais cinco vitórias, menos quatro empates, menos seis golos sofridos, ainda não perdeu…Sinal de que tudo vai bem no reino do leão? Com certeza que não. Não partilhando da opinião veiculada sobretudo por adeptos dos rivais de que este Sporting joga pouco futebol – defensivamente, a diferença é do dia para a noite, e mesmo em termos ofensivos, já se veem movimentações e intenções dos jogadores que não se viam com Marco Silva e não se veem nem no Porto nem no Benfica – parece-me haver um défice claro de qualidade individual, o que retarda necessariamente o crescimento da equipa enquanto coletivo e pode ajudar a explicar algumas vitórias tangenciais, que podiam perfeitamente ter resultado em empates. O modelo de jogo de Jorge Jesus é complexo e exigente a todos os níveis e, para estar em Dezembro a jogar já perto do seu potencial máximo, eram precisos executantes com uma qualidade técnica e de decisão que não está ao alcance de um João Pereira, de um Naldo, de um Adrien, de um Teo ou de um Slimani (só aqui já está meia equipa habitualmente titular). Ewerton, André Martins, Aquilani, Carrillo, Matheus Pereira e Montero, esses sim têm essa capacidade, mas, por uma razão ou por outra, não têm estado entre as primeiras opções de Jesus, pelo que o futebol do Sporting tem tardado em dar o salto qualitativo. Resumindo: a meu ver, apesar dos indicadores positivos, o Sporting será tanto mais candidato ao título quanto mais vezes incluir no onze inicial os jogadores acima referidos. Noutro âmbito, a chegada do fantástico Bryan Ruiz constitui a melhor notícia do defeso em Portugal, talvez a par da contratação de Mitroglou pelo Benfica.

2. Há quem seja da opinião que Julen Lopetegui é um treinador com uma boa ideia de jogo, mas que não sabe bem como operacionalizá-la, nem quais os melhores jogadores para a executar. Acho precisamente o contrário: o treinador espanhol sabe pôr uma equipa a jogar como quer e também sabe escolher os executantes mais adequados para o seu modelo de jogo, mas boas ideias é tudo o que não tem, pelo menos a nível ofensivo. É tudo rígido, padronizado e previsível, mas estou plenamente convencido de que Lopetegui quer e sempre quis que o Porto jogasse como joga: sem bola, uma reação rápida e agressiva à perda, com um meio-campo essencialmente de suor e rigor tático; com bola, uma circulação em “U”, sempre por fora e com largura máxima em todos os momentos, para que depois os laterais e os extremos desequilibrem ofensivamente. Alguma vez o Porto de Lopetegui foi ou pretendeu ser algo diferente disto? Não me parece. E é por essa razão que o Porto não se consegue assumir definitivamente como o candidato mais forte ao título, como era, de resto, sua obrigação: uma ideia de jogo sem qualidade, que não potencie toda a qualidade individual existente, mesmo que esteja superiormente operacionalizada, não deixa de ser uma ideia de jogo sem qualidade.

3. No Benfica, Luís Filipe Vieira, que se não está com a corda ao pescoço em termos financeiros, disfarça muito mal, decidiu abrandar o investimento massivo no futebol e abdicou do bicampeão Jorge Jesus (que, para grande transtorno seu, foi parar ao outro lado da Segunda Circular…) para ir buscar o mais económico Rui Vitória. Rui Vitória é um treinador que subiu na carreira a pulso e que tem conseguido resultados interessantes, sobretudo no problemático Vitória de Guimarães, mas o futebol pouco elaborado das suas equipas não augurava nada de bom e estes primeiros meses à frente do Benfica apenas têm confirmado essas suspeitas. O que se vê é um treinador de equipa pequena a tentar, sem sucesso, operacionalizar um modelo de equipa grande e, seja qual for a opção tomada daqui para a frente, as perspetivas não são animadoras: se quiser trabalhar o modelo em que acredita, o mesmo não vai ser suficiente, porque a concorrência está forte e colocou a fasquia alta; se quiser trabalhar um modelo em que não acredita, não tem competência para tal, pelo que os resultados dificilmente serão positivos. Prevêem-se tempos difíceis na Luz, ainda para mais sem um plantel extraordinário em termos individuais…No entanto, além dos consagrados Júlio César, Gaitán, Jonas e Mitroglou, há um valor seguro para o futuro: Nélson Semedo. Quanto aos hipervalorizados Renato Sanches e sobretudo Gonçalo Guedes…Bem, vamos esperar para ver.

4. Em Inglaterra, a Premier League, ao contrário do que se apregoa, é um campeonato competitivo, mas nivelado por baixo, como se comprova pelos constantes insucessos das equipas inglesas nas competições europeias: o Manchester City tem todas as condições para dominar o campeonato, mas joga abaixo do seu potencial, porque não tem uma liderança técnica capaz de elevar a equipa para um patamar superior (não está em causa a competência de Pellegrini, que é um treinador que aprecio); Van Gaal está ultrapassado e já não parece ter capacidade para operacionalizar a 100% a sua interessante ideia de jogo; Mourinho estagnou completamente e, neste momento, é um treinador que não se diferencia dos demais e que tanto pode ser campeão num ano, como no ano seguinte andar pelo meio da tabela; Wenger continua a repetir os mesmos erros, ano após ano, e o Arsenal estava melhor servido com uma equipa técnica mais moderna e bem preparada. O Tottenham de Pochettino e o Everton de Roberto Martínez são equipas que procuram um “jogar” mais evoluído do que é habitual em terras de Sua Majestade, e a contratação de Klopp pelo Liverpool é uma ótima notícia para a evolução do futebol inglês, mas não é suficiente, nem de perto nem de longe. É necessário que as equipas com maior poderio financeiro da Premier League contratem não só jogadores de grande qualidade, mas também treinadores que consigam rentabilizar ao máximo toda a qualidade individual existente, para que as restantes equipas também sintam necessidade de evoluir e subir a fasquia, contratando jogadores de qualidade e sobretudo treinadores com ideias e métodos de trabalho diferentes. Por exemplo, só num campeonato nivelado por baixo e em que as equipas grandes estejam mais próximas em qualidade das equipas mais pequenas do que o contrário, é que é possível que equipas com modelos de jogo rudimentares como o Leicester e o Crystal Palace estejam, em Dezembro, tão acima na tabela classificativa. O facto de o melhor treinador britânico em atividade ser provavelmente Alan Pardew também devia ser um indicador, no mínimo, preocupante. A Premier League tem evoluído muito na última década e o conhecimento técnico-tático existente é agora maior do que nunca, mas, no meu entender, ainda tem um longo caminho a percorrer até poder justificar o epíteto de “melhor liga do mundo”. Talvez a mais que anunciada chegada de Guardiola seja a pedrada no charco de que o futebol inglês necessita.

5. Em Espanha, não há muito a destacar: Florentino Pérez, não contente com a decisão absurda de afastar Ancelotti do comando técnico do Real Madrid, resolveu animar ainda mais as coisas e entregou aquele que é, provavelmente, o melhor plantel do mundo a…Rafa Benítez. Sim, aconteceu mesmo. No momento em que escrevo estas linhas, a vantagem pontual do Barcelona já é de cinco pontos, por isso ficarei muito surpreendido se Messi, Neymar, Iniesta & Cia não revalidarem o título de campeões espanhóis em Maio, desta feita sem o lendário Xavi Hernández. O Barcelona de Luis Enrique é, nos dias que correm, uma equipa super vertical, que pratica um futebol direto e de procura constante da baliza contrária, e que, por isso, já não consegue controlar tão bem os ritmos de jogo e o adversário, mas a qualidade individual assombrosa e a falta de oposição interna deverão chegar para vencer tranquilamente o título (porém, muita atenção ao Atlético de Madrid!). Destaque para o aparecimento na equipa principal do jovem Sergi Roberto, que agarrou a oportunidade que Luis Enrique foi obrigado a dar-lhe (saída de Xavi, lesão prolongada de Rafinha, problemas físicos de Iniesta, etc) e tem agora o caminho aberto para se afirmar como um dos grandes médios espanhóis do futuro.

6. A Serie A, um campeonato caído em desgraça e que bem precisa de novos estímulos, deu a conhecer ao mundo dois treinadores de enorme valor: Maurizio Sarri e Paulo Sousa, este bem conhecido do público português. A Fiorentina de Paulo Sousa e sobretudo o Nápoles de Sarri são equipas que procuram controlar o jogo através da posse de bola e da pressão alta desde o primeiro minuto e que não têm problemas em jogar com três e quatro médios de características ofensivas ao mesmo tempo, o que constitui claramente um sinal de que o futebol italiano, se houver um esforço coletivo dos clubes, pode perfeitamente reinventar-se e reerguer-se. Infelizmente, Juventus, Inter e Milan, os clubes que, pelo seu peso histórico, mais possibilidades tinham de comandar esta mudança de mentalidades, preferiam manter ou ir buscar treinadores que pensam e trabalham como 90% dos treinadores mundiais, por isso o campeonato perdeu algum do interesse que poderia ter. No entanto, já que Rudi García da Roma se revelou uma desilusão, quero acreditar que Sarri e Paulo Sousa estão a lançar algumas bases importantes para o futuro a médio prazo do Calcio.

7. Na Bundesliga, o Dortmund contratou um dos treinadores mais talentosos da atualidade – Thomas Tuchel – e mantém um plantel repleto de jogadores que tinham lugar em quase todos os grandes clubes europeus, com Hummels, Gündogan, Kagawa, Mkhitaryan, Reus e Aubameyang à cabeça, mais o muito promissor Weigl, mas Guardiola é mesmo de outro planeta e o Bayern chega ao dobrar do campeonato com 43 pontos em 48 possíveis e cinco pontos de vantagem sobre o Dortmund. Além dos resultados esmagadores, o genial treinador catalão continua a inovar taticamente como nenhum outro e a dar lições em todos os jogos, embora muitos nem sequer se apercebam disso: recordo que o Bayern, a jogar habitualmente num 2-3-5 (!) com Boateng como único jogador de características defensivas e Robben, Müller, Douglas Costa, Coman e Lewandowski na frente, mesmo que os adversários concretizassem todos os remates enquadrados com a baliza de Neuer, continuaria a liderar a Bundesliga. Incrível! Já para não falar da facilidade com que o Bayern troca de sistema de jogo para jogo ou mesmo durante o jogo, alterando entre 4-3-3, 4-4-2, 3-5-2, 3-4-3 e 2-3-5 como se nada fosse, e do rendimento estratosférico de jogadores como Alaba, Douglas Costa, Müller, Lewandowski ou mesmo Boateng. Luis Enrique merece o prémio de melhor treinador de 2015, pelos títulos que conquistou, mas não tenho dúvidas nenhumas de que o treinador referência foi, para não variar, Pep Guardiola.

8. Sobre a Bola de Ouro, cujos resultados serão conhecidos no dia 11 de Janeiro, apenas duas notas rápidas, porque há algumas pessoas com problemas de memória. Primeiro, para os que são da opinião que é um escândalo Luis Suárez não estar no lugar de Cristiano Ronaldo nos três finalistas, convém lembrar que o avançado uruguaio só em Abril/Maio é que começou a render a bom nível e a contribuir com alguma qualidade para a manobra ofensiva do Barcelona para além dos golos…Até lá, foi quase sempre um corpo estranho na equipa e sentiu grandes dificuldades de adaptação, por isso a escolha de Ronaldo é mais do que compreensível, pese o final de época algo apagado. Segundo, Neymar teve um ano incrível, não só na finalização, mas também na criação, e assumiu-se definitivamente como jogador de eleição, mas só merece a Bola de Ouro se se esquecer tudo o que Messi fez até se lesionar em Setembro. É bom não esquecer que Messi rubricou possivelmente a melhor época da carreira – o que quer dizer muito, tendo em conta o nível elevadíssimo que atingiu com Guardiola – com exibições quase sobre-humanas, em que foi o principal motor criativo de um Barcelona que ganhou tudo o que havia para ganhar. Mas a Bola de Ouro sempre foi isto: aconteça o que acontecer, para a opinião pública, o que interessa é como se acaba o ano. Posto isto, Messi, Neymar e Ronaldo seriam as minhas escolhas para a Bola de Ouro, por esta ordem.

O "Com Pés e Cabeça" aproveita para desejar a todos os leitores um Feliz Natal e um Bom Ano Novo!

2 comentários:

bashir disse...

Refutas :prayer: !

Jorge disse...

Incrível como concordo com este post! As equipas que mais gozo me dão ver jogar são mesmo os dois grandes alemães e os italianos que referes.
O Bayern de Guardiola é uma coisa de outro mundo e as pessoas nem se apercebem da qualidade daquela equipa. A forma como jogam, como asfixiam, não dão hipóteses. Guardiola, por muito que eu não goste dele por ter vindo de onde veio (tenho um ódio de estimação ao Barcelona 😅 ) é um Deus, completamente revolucionário. Basta ver que nem um BVB com a qualidade deste BVB que joga muito bem sob o comando de Tuchel consegue fazer frente ao poderoso Bayern. Destaque ainda na liga alemã para as ideias do Bayer e do outro Borussia e ainda do Wolfsburgo.
Em Itália Sarri e Sousa são a grande esperança para revitalizar o futebol daquele país e neste momento duas das minhas equipas favoritas! O Nápoles tem uma organização defensiva extraordinária d uma proposta ofensiva muito interessante. Acho que o Calejon lhes limita um pouco ofensivamente por falta de inteligência nas suas acções. Uma contratação para esta posição seria ótima. Já a Fiore tem uma proposta de jogo interessante e fora do que eu estou habituado. Gosto de ver a posição dos centrais em momento ofensivo, muito avançados no terreno e a oferecer soluções diferentes e a forma como a equipa está coordenada e se movimenta no momento defensivo, se transforma. Contudo alguma mecanização excessiva de movimentos.
Em Portugal só o Braga e o meu Sporting apresentam qualidade, estando o Porto é o Benfica muita mal entregues (ainda bem 😈 ). Ruiz é um Deus, mas falta qualidade individual ao Sporting e eu neste momento nunca abdicaria de Slimani.

Continuação de com trabalho deste excelente blog que passarei a seguir com atenção!