terça-feira, 1 de julho de 2014

Análise: França

Será possível jogar bem sem ser agressivo e intenso em todos os momentos do jogo? A resposta, obviamente, é sim. Jogar futebol não se resume, nem de perto nem de longe, a ter jogadores constantemente a correr atrás da bola, a pressionar o adversário em todas as zonas, a atacar o mais rápido possível, a rematar sempre que há oportunidade. Antes disso há que saber onde pressionar definindo zonas estratégicas, escolher os momentos de entrada dentro do bloco adversário, rematar apenas quando as boas oportunidades surgem. Um bom exemplo é a França, seleção que até agora não perdeu no Mundial e já assegurou presença nos quartos de final da prova. Não são particularmente intensos, não pressionam em espaços adiantados, tomam o seu tempo para atacar e quando o fazem, fazem-no pela certa.

Olhemos mais em detalhe para o Modelo francês: disposição tática em 4-3-3, com um único pivô defensivo. Primeira linha de pressão perto do meio-campo, marcação zonal em todo o terreno tendo como principal preocupação a ocupação do espaço central do campo. Espaço entre-linhas constantemente ocupado pelo trinco, neste caso Cabaye. Linha defensiva a encurtar o espaço, sem referências individuais a menos que seja em zona de cobertura.


Muitos dos princípios defensivos são bons mas há aspetos a melhorar. Em termos coletivos, o principal problema é o espaço nas costas dos extremos. Assim que a primeira linha de pressão é batida e a bola entra à frente do lateral, surge alguma indefinição na decisão. Quem sai à bola? Lateral na bola e interior na cobertura? Ou interior na bola e lateral na cobertura? Por vezes demoram tempo a coordenar-se e dão espaço ao portador para cruzar. Valbuena consegue minimizar este defeito ao aproximar-se da zona da bola mas Benzema, no período que esteve em campo, raramente contribuiu para isso, deixando ainda mais o flanco esquerdo sujeito a entradas adversárias.

No entanto, quase em compensação por este defeito, a linha defensiva está extremamente bem organizada e lida com cruzamentos da melhor maneira possível. Sempre numa linha de cobertura próxima, gerem a profundidade e a largura (ocupação das 3 zonas fundamentais: 1º poste, zona de penalty, 2º poste) de forma excepcional.


Aqui estão 2 bons exemplos disso. Linha de 3 a controlar os espaços à frente da baliza, cada um dentro das zonas designadas. No primeiro cruzamento, saída do lateral ao portador, bola perto da linha final e a linha de 3 em cima do limite da pequena área. Tudo otimo. No segundo, bola atrasada, subida em bloco da linha, Debuchy e Pogba a demorarem a chegar na pressão mas o ajuste da defesa é impecável, controlando a profundidade e deixando em fora de jogo o avançado nigeriano. O único problema no meio disto tudo? Patrice Evra. Sofrível o tempo que demora a perceber os posicionamentos que deve adotar. No 2º cruzamento, em vez de ocupar devidamente a sua posição ao 2º poste protegendo a baliza de um possível cruzamento largo, vêm a passo e se Matuidi não vêm a marcar o homem em movimento de ruptura, ninguém lá estaria. Aqui fica mais um exemplo da (falta de) qualidade de Evra:


Repare-se a passividade assim que a bola saí da sua zona. Em vez de ajustar ao meio, fica atraído pelo homem na sua zona, perto da linha lateral. Deixa lá o homem Evra, aí não há problema em entrar a bola!

Foquemo-nos no aspeto ofensivo. As saídas de bola a partir da defesa são sempre feitas com segurança. O trinco bem próximo dos centrais, laterais a darem profundidade apenas quando necessário, linhas de passe verticais disponíveis nos interiores. Koscielny dá imensa qualidade à saída de bola. E tudo está bem... até a bola entrar nos pés de Matuidi. Jogar ao lado de Pogba e Cabaye dá outra luz à falta de qualidade técnica do médio PSG. Monstro físico? Sim... quando não varre os adversários. Monstro tático? Só se houver muito espaço para percorrer. Constantes dificuldades na recepção e pouca criatividade em posse deixam o processo ofensivo gaulês manco de um dos lados.

Mas tal pode ser esquecido quando olhamos para a frente de ataque. Valbuena, Griezmann, Benzema e Giroud. 4 grandes jogadores para apenas 3 posições dão qualidade e liberdade a Deschamps para os organizar de acordo com aquilo que o jogo pede. A mobilidade sem bola que cada um deles dá ao ataque francês, se for bem direcionada, pode causar muitos problemas a qualquer seleção.


Aqui, o bom aproveitamento do espaço entre-linhas, em zona central. Passe vertical para Benzema que conduz, fixa, liberta, recebe tabela de Griezmann e apenas falha na finalização. É nestes momentos que a França produz um futebol que poucas seleções conseguem replicar. Se o fizer numa base mais regular e conseguir conter muitos dos cruzamentos que saem dos pés do laterais, podem elevar ainda mais a barra do seu futebol ofensivo.

O próximo duelo coloca frente-a-frente Alemanha e França. A maior valia individual da seleção germânica certamente fará pender, em certas alturas, o jogo a seu favor. Mas conseguindo a França apoiar-se nos seus princípios defensivos e fazendo valer a criatividade e mobilidade do seu trio atacante, procurando espaços fulcrais na defesa alemã e certamente que fará mossa no adversário. De qualquer maneira, será o jogo mais interessante dos quartos de final.

1 comentário:

Zinedine Zidane disse...

"E tudo está bem... até a bola entrar nos pés de Matuidi. Jogar ao lado de Pogba e Cabaye dá outra luz à falta de qualidade técnica do médio PSG. Monstro físico? Sim... quando não varre os adversários. Monstro tático? Só se houver muito espaço para percorrer. Constantes dificuldades na recepção e pouca criatividade em posse deixam o processo ofensivo gaulês manco de um dos lados."

Haja alguém...