quarta-feira, 2 de julho de 2014

Notas dos Oitavos-de-Final (2)

França-Nigéria

Mesmo sem Ribéry, por lesão, e Nasri, por motivos disciplinares, a França tem uma selecção de impor respeito a qualquer adversário. Tem organização, equilíbrio e bons princípios ofensivos, por isso Deschamps está de parabéns pela qualidade colectiva que conseguiu incutir na sua equipa. A nota só não é mais elevada, porque não me parece que ele esteja totalmente ciente de onde está a maior força da equipa: o meio-campo carece de imaginação e não tem soluções no banco que tragam algo de novo a esse nível (Gourcuff, infelizmente, já deu o que tinha a dar, e Grenier lesionou-se no estágio de preparação), pelo que é quase obrigatório que Valbuena, Griezmann e Benzema, os seus três jogadores mais criativos, joguem juntos na frente de ataque. Contudo, Deschamps não parece estar muito convencido de que essa é a melhor opção e tem tentado conciliar Giroud e Benzema no seu 4x3x3, com este último a fechar o flanco esquerdo. É uma hipótese, claro, porque Giroud é um jogador acima da média, mas Valbuena, Griezmann e Benzema entendem-se às mil maravilhas e tornam esta França uma equipa mais imprevisível e versátil, menos dependente das recuperações altas do meio-campo para criar perigo e mais competente a furar blocos baixos e densos. É verdade que foi com Valbuena, Benzema e Giroud que a França ganhou 5-2 à Suíça, mas esse foi um jogo atípico, em que os jogadores suíços baixaram os braços demasiado cedo devido à sucessão de erros individuais, pelo que deve haver algumas cautelas nessa análise. Neste jogo dos oitavos-de-final, embora tenha dado sempre a sensação de que a França estava a jogar em ritmo de passeio e que o aparente domínio da Nigéria era consentido, ficou bem patente aquilo que Griezmann é capaz de trazer a esta equipa, quando foi lançado aos 62 minutos: não só isolou Benzema no lance imediatamente anterior ao primeiro golo, como também esteve na jogada que deu origem ao autogolo de Yobo, tendo coincidindo a sua entrada em jogo com a fase em que a França puxou dos galões e mostrou toda a sua superioridade. Coincidência? Talvez sim, talvez não, mas acredito que muito do sucesso da França neste Mundial do Brasil vai depender da perspicácia de Deschamps no que toca a esta questão. De resto, há a salientar, pela negativa, a entrada bárbara de Matuidi sobre Onazi, que se o árbitro tivesse feito cumprir as regras e exibido o correspondente cartão vermelho directo, podia ter colocado a selecção gaulesa em grandes apuros, num jogo globalmente pouco conseguido.

Alemanha-Argélia

Tenho lido algumas análises a este jogo em que se diz que o resultado é tremendamente injusto e que a Argélia fez por merecer outra sorte. Concordo que os primeiros vinte minutos foram penosos para a Alemanha, muito por causa da abordagem arrojada e corajosa da Argélia, mas a partir daí, a Alemanha estabilizou o seu jogo, terminou a primeira parte claramente por cima e na segunda parte, só uma excelente exibição de Mbolhi (não o conhecia, mas o melhor elogio que lhe posso fazer é que foi o guarda-redes que mais me impressionou neste Mundial) permitiu à Argélia levar o jogo para prolongamento, o que já aí, a meu ver, não se justificava. Aliás, do lado dos argelinos, há que dizer que o único aspecto do seu jogo que merece elogios é a atitude ambiciosa, não tendo receio de pressionar alto uma selecção muitíssimo mais forte a todos os níveis. De resto, a organização defensiva não é brilhante, nem de perto nem de longe, e os processos ofensivos são algo rudimentares para esta fase da competição. Um conjunto de jogadores esforçados e com uma alma e uma crença enormes, mas não mais que isso e ficam pelo caminho quando tinham que ficar. Quer isto dizer que a Alemanha é uma equipa temível e que fez um grande jogo? Claro que não. Esta geração é provavelmente a melhor de sempre do futebol alemão, mas não tem uma liderança técnica à altura. Löw é alguém que aparenta ter boas intuições e privilegiar as coisas certas, mas depois tem opções técnicas incompreensíveis e dá ideia de querer copiar uma determinada matriz de jogo, mas sem perceber muito bem o que está a fazer. Por exemplo, o critério e a paciência na construção e o privilégio pelo corredor central para desenvolver os ataques parecem revelar que Löw conhece bem o tipo de jogadores que tem, mas que ideia é aquela de jogar com centrais adaptados a laterais? E largura e profundidade, quem dá? O resultado é uma equipa com algumas ideias, mas com um jogo posicional deficiente, com demasiados jogadores por dentro e à frente da linha da bola, o que não só emperra o processo ofensivo, como deixa a linha defensiva permanentemente exposta. Com Durm e Lahm nas laterais (ou mesmo Grosskreutz, se Löw quisesse manter o jogador do Bayern no meio-campo), esta Alemanha seria muitíssimo mais difícil de bater. Assim, não sei bem o que esperar, mas quem tem um leque de jogadores de tanta qualidade pode aspirar a tudo. Para concluir, não posso deixar de fazer dois destaques individuais: Neuer, pois foi muito por causa do seu exemplar controlo da profundidade (não há nenhum guarda-redes actualmente que faça tão bem de líbero como ele) que a Alemanha conseguiu asfixiar a Argélia na segunda parte e no prolongamento, e Müller, que é um jogador sensacional e que está a mostrar neste Campeonato do Mundo que, ao contrário do que se disse durante a época, pode muito bem ser o falso 9 que Guardiola tanto procura no seu Bayern de Munique.

Argentina-Suíça

Sob o comando de Sabella, a Argentina é um desastre à espera de acontecer. Além de ter um colectivo disfuncional em praticamente todas as fases do jogo, existem também lacunas individuais em alguns sectores, o que é inaceitável na selecção com uma das bases de recrutamento mais vasta: como se já não bastasse ter deixado de fora da convocatória Otamendi, Banega, Pastore, Gaitán e Tévez (podia ainda falar de Cambiasso e Zanetti, mas já nem vou por aí…), Sabella ainda se dá ao luxo de prescindir de Enzo, que é só o melhor médio que tem, e de ter entre as primeiras opções jogadores de qualidade discutível, como Romero, Fernández, Rojo, Mascherano (pelo menos como médio) e Maxi Rodríguez. O resultado é uma equipa mal distribuída em campo, com um bloco para defender e outro bloco para atacar, sem jogo interior e completamente «Messidependente», pois o astro argentino é o único que ainda vai tentando dar algum sentido a tanto desnorte. Perante tanta falta de qualidade colectiva, aproveitou a Suíça (que, é bom lembrar, conta nas suas fileiras com jogadores como Lichtsteiner, Ricardo Rodríguez, Inler, Xhaka, Mehmedi, Drmic e Shaqiri, entre outros) para causar embaraços à selecção alviceleste? Nem por isso, ou não fossem treinados por quem são. Defender com todos e atacar com três jogadores, é esta a receita de Ottmar Hitzfeld para o sucesso, seja em que situação for, por isso não admira que a selecção suíça tenha tido apenas duas oportunidades de golo em 120 minutos, contra um adversário que defende pior do que muitas equipas da Liga ZON Sagres. Assim sendo, a Argentina, mesmo com um futebol sofrível e muito aos repelões, lá foi construído sucessivas ocasiões de golo e o tento de Di María no último minuto do prolongamento só pecou por tardio. Agora vem a Bélgica, cujas individualidades ofensivas vão certamente dar as dores de cabeça que a Suíça não foi capaz de dar. Ainda sobre o extremo do Real Madrid, disseram os comentadores de serviço que foi o melhor jogador em campo. Não sei que jogo é que eles viram, mas acontece que Di María fez um jogo horripilante e só teria sido o melhor em campo se o objectivo do futebol fosse ver quem tomava as piores decisões e perdia mais bolas. Como não é, o melhor em campo foi, e a larga distância de todos os outros, Lionel Messi, que fez provavelmente o seu melhor jogo neste Mundial.


Bélgica-Estados Unidos

Num dos jogos mais emocionantes destes oitavos-de-final, Bélgica e Estados Unidos mediram forças, mas nenhuma das equipas me enche as medidas. Acho o trabalho táctico de Wilmots e de Klinsmann relativamente pobre, com a diferença que a Bélgica tem um conjunto de jogadores de fazer inveja a muitas selecções de maior reputação, nomeadamente a Portugal, e os Estados Unidos não. Deste modo, num jogo entre duas equipas sem qualidade colectiva assinalável (a organização e a transição defensiva dos Estados Unidos, por exemplo, são terríveis), o domínio avassalador da Bélgica acabou por ser natural, devido à maior valia individual que possui, e se os Estados Unidos não saíram deste jogo com uma derrota pesada, bem podem agradecer a Tim Howard, que rubricou a melhor exibição individual de um guarda-redes neste Mundial. Contudo, apesar do festival de golos falhados, a Bélgica nunca pareceu ter o jogo minimamente controlado e os Estados Unidos foram criando perigo aqui e ali, tendo mesmo, já com o jogo em 2-0 para a Bélgica, encostado os «Diabos Vermelhos» às cordas na segunda parte do prolongamento e não fazendo o empate por muito, muito pouco. Se uma equipa mediana como os Estados Unidos conseguiu expor as debilidades da Bélgica (dificuldades na gestão do jogo, mau jogo posicional, com o meio-campo e a defesa facilmente atraídos por referências individuais, etc), fará uma selecção com outros argumentos…Mas não sei se essa selecção será a Argentina. Em termos individuais, este foi, sem dúvida, o jogo dos craques incompreendidos: Lukaku e sobretudo De Bruyne têm mais do que lugar no Chelsea e Bradley e Dempsey são demasiado novos e têm demasiada qualidade para estarem exilados na MLS.


1 comentário:

Anónimo disse...

"sobretudo De Bruyne têm mais do que lugar no Chelsea"

Dá a entender que o Chelsea errou a vendê-lo. A meu ver, está a fazer um Mundial um bocado àquem das expectativas e, dada a verba oferecida e o que mostrou quando teve oportunidades, foi muito bem vendido, até porque não há falta de qualidade nos extremos do Chelsea.

Em relação ao Lukaku, concordo que tem lugar no plantel e merece uma oportunidade para o ano.