sábado, 14 de junho de 2014

Inspiração

Numa altura em que a selecção portuguesa se prepara para mais uma participação na maior competição mundial de selecções e em que se avivam a toda a hora as memórias dos feitos e façanhas alcançados pelo nosso futebol ao longo dos anos, nada como recordar, não sem uma ponta de nostalgia, a notável carreira de um dos melhores e mais talentosos jogadores que o futebol português já produziu. Para mim e para meia dúzia de românticos incorrigíveis, será sempre o melhor. O jogador que inspirou. O jogador que apaixonou. O jogador que nos fez ficar pregados ao grande ecrã. E não, não estou a falar de Ronaldo.

Despontou para o futebol perto de Lisboa, em Almada, brilhou ao mais alto nível lá fora, do requinte de Barcelona ao glamour de Milão, não esquecendo a opulência de Madrid, evoluiu de miúdo enfezado com o cabelo escorrido e sem graça para homem mundano, elegante e com um corte de cabelo contemporâneo, mas o seu futebol apaixonante, de fato e gravata, esse permaneceu imutável. Jogou toda a vida como extremo, mas nunca precisou de velocidade, nem de força, muito menos de malabarismos exóticos, para se destacar dos demais. Velocidade? Sim, de pensamento! Força? Sim, de vontade! Malabarismos exóticos? Mas para quê complicar o que é fácil?! Basta arrancar, travar, temporizar, voltar a arrancar de novo, ir para fora, vir para dentro e, tau, o adversário já ficou para trás! Sempre com a bola coladinha ao pé, claro. Quando era preciso mudar o rumo dos acontecimentos, lá estava ele, pronto para agarrar o jogo pelos colarinhos e resolver aquilo que o colectivo era incapaz de resolver…Mas não resolvia de uma maneira qualquer. Ao contrário de outros, nas suas acções não havia nunca pressa, sofreguidão ou ânsia de provar alguma coisa. Não, era tudo espontâneo, com a naturalidade de alguém que nasceu para liderar e para assumir as responsabilidades de uma nação inteira.

Com a camisola das quinas ao peito, há muitos e bons momentos que vale a pena recordar…Talvez o mais inesquecível de todos seja aquele míssil teleguiado que saiu dos seus pés ainda antes da meia-lua e só parou dentro da baliza de David Seaman, quando Portugal perdia por uns irremediáveis 2-0 frente a Inglaterra, na fase de grupos do Euro 2000. Foi esse o mote para a sensacional reviravolta que surpreendeu o mundo, foi esse o golo genial e inesperado que galvanizou os jogadores e os adeptos. Ainda no Euro 2000, quem não se lembra da grande exibição contra a Turquia, nos quartos-de-final? Duas assistências perfeitas para os dois golos de Nuno Gomes, o primeiro num cruzamento com régua e esquadro, o segundo numa arrancada fulminante pela direita, que virou o lateral esquerdo turco de pernas para o ar e terminou com um passe açucarado para Nuno Gomes encostar. «Ai é preciso resolver? Então passem-me a bola, que eu faço o resto…» A forma como concluiu a sua carreira a nível internacional tem também o seu quê de simbólico…Suplente utilizado no jogo de atribuição do 3º lugar contra a Alemanha, quando entrou em campo, a selecção nacional perdia por 3-0 e já pouco havia a fazer. Sem pedir licença a ninguém, pegou na bola, olhou para a área e meteu-a direitinha na cabeça do companheiro de muitas batalhas, Nuno Gomes, que fez o 3-1. Dever cumprido, como sempre! Mas, curiosamente, o lance que, para mim, melhor ilustra o que foi este jogador dentro das quatro linhas tem lugar num distante Portugal-Dinamarca, num jogo amigável há muito esquecido…Jogo morno, sem interesse, empatado a um golo, e eis que a bola chega aos pés do maior craque de todos. Arranca, passa pelo meio de dois defesas sem esforço, senta Schmeichel com uma finta de corpo e pica a bola por cima do gigante dinamarquês. Parece fácil! Mas não é. É só para quem sabe. Em três palavras: talento, classe e liderança.

De quem estou a falar? Já todos devem ter adivinhado, mas a poucas horas do pontapé de saída da selecção portuguesa no Mundial de Vera Cruz, precisa-se que Ronaldo, a nossa maior referência futebolística e de quem se esperam momentos de grande inspiração, tenha um pouco do incontornável…Luís Figo!





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