quinta-feira, 19 de junho de 2014

Veloso e os Marcadores Somáticos

Tem sido amplamente discutida nos últimos dias a pertinência da decisão de Veloso nos primeiros minutos do Portugal - Alemanha, quando após roubar a bola a Lahm na primeira fase de construção alemã, e encontrando a defesa alemã inevitavelmente desequilibrada, opta pelo passe a Ronaldo. De forma geral, a decisão tem sido catalogada como errada. Consegue-se perceber porquê, mas será que chega a análise superficial?

Do ponto de vista meramente teórico, de situação de 3x2+1 em que os jogadores são meros intérpretes de uma situação hipotética, percebe-se quem defende o erro de Veloso. Ronaldo chega posteriormente, Almeida já lá estava. Almeida estava em zonas interiores (mais perto da baliza), Ronaldo recebe a bola na lateral e num ângulo desfavorável. Mertesacker comporta-se superiormente: perante a cobertura de Hummels encurta caminho ao portador e abranda ligeiramente quando sente o deslocamento de Ronaldo nas suas costas. E agora, Veloso?




Veloso opta por Ronaldo porque as decisões no futebol não acontecem ao acaso. No futebol, como na vida, no nosso subconsciente durante aqueles milésimos de segundos joga-se um jogo probabilístico e emocional de alta intensidade que tem tremenda influência quando somos forçados a tomar decisões deste calibre. A grande matriz impulsionadora desta tomada de decisão são as experiências anteriores que se fazem representar no nosso cérebro por marcadores somáticos, terminologia sustentada e superiormente defendida por António Damásio no seu Erro de Descartes. Isto parece fazer ainda mais sentido em algo tão imediato e tão rápido como uma decisão deste género: se para tomar a decisão o nosso cérebro precisasse de uma reflexão profunda sobre o assunto a oportunidade desvaneceria-se.


Os marcadores somáticos associam emoções e estados fisiológicos positivos a decisões. Se perante o estímulo da decisão x o meu colega falhar o golo no treino, e perante a decisão y em que eu opto por outro colega ele conseguir marcar, provavelmente eu optarei mais vezes pela decisão y. Associa-se a ela um estado fisiológico positivo, um marcador somático que marca positivamente aquela decisão. O contrário também se passa: se de todas as vezes em que eu tento fintar no treino perder a bola, ou receber feedback negativo do treinador, o marcador somático negativo associado a esse processo fará com que eu evite aquele comportamento. Se por outro lado eu tiver particular sucesso a rematar de fora da área, não preciso de incentivo: da outra vez correu bem, porque não? Isto explica, por exemplo, porque é que os finalizadores em crise de confiança evitam o remate, procuram situações alternativas, escondem-se desse momento do jogo.

Passando à situação concreta, eu tenho a ligeira desconfiança de que, não obstante todas as condicionantes,
das vezes em que o Veloso passou a bola a Ronaldo a equipa dele teve mais sucesso que quando resolveu entregar a bola a Hugo Almeida: marcador somático positivo associado a passar a bola ao Ronaldo.

E agora: Veloso decidiu bem ou mal?

7 comentários:

Zinedine Zidane disse...

Reflexão interessante, mas mantenho a minha opinião: a decisão não só é má, como é mesmo a pior possível.

Naquela situação em particular, qualquer decisão que não envolva fixar um dos centrais diminui logo as probabilidades do lance dar golo. Mesmo que se aceite que meter a bola no Ronaldo era uma boa decisão (o que já de si é discutível, pelas razões que apontaste no segundo parágrafo), o passe sai demasiado cedo e não deixa o Mertesacker fora do lance ou, no mínimo, com poucas hipóteses de recuperar. Aliás, é muito por causa da intervenção do alemão, que nem sequer é rápido ou ágil, que o Ronaldo não faz golo.

Resumindo, havia três hipóteses (excluindo o remate):

- Fixar o Hummels e soltar no Hugo Almeida.

- Fixar o Mertesacker e soltar no Ronaldo.

- Fixar o Hummels e soltar no Ronaldo, na diagonal entre os dois centrais (execução difícil, sobretudo para um esquerdino)

Percebo perfeitamente o teu ponto, mas a decisão, assim como foi, foi simplesmente horrorosa. Na minha opinião, claro.

Ibracadabra disse...

Bom texto, Alex, tocas em pontos que me parecem muito pertinentes. No entanto, como já dei conta no meu post de ontem, nesta estou com o Zizou.

Tó_Madeira disse...

Fazer o passe ao Ronaldo até podia ser a melhor decisão, mas onde o Veloso errou mesmo foi no timing. Ali tem 3 opções simples e com probabilidades de dar golo mas todas envolvem que ele continue com a bola forçando os defesas a escolher.
Se o Mertesacker lhe sai ao caminho, solta no Ronaldo, que entretanto já teria melhor ângulo e, sobretudo, não teria pressão do defesa.
Se for o Hummels a sair, solta no Almeida que teria tempo de dominar para o pé esquerdo e fazer golo.
Se ambos optam por não sair, remata. E ele tem bom remate e estaria em óptima posição.

O que me parece óbvio é o que os jogadores, sem excepção, queriam passar ao Ronaldo em toda e qualquer circunstância e isso leva a más decisões/maus timings para esse decisão. E este lance ilustra bem isso. É normal que tendo de escolher entre Ronaldo e Almeida para fazer o passe, a tendência é optar pelo primeiro mas é fundamental que os jogadores percebam as circunstâncias e esqueçam os nomes.

Anónimo disse...

alexandre, percebo aquilo que queres dizer, mas o cristiano ainda estava bastante atrasado e caso o miguel progredisse com bola, poderia facilmente deixar o hugo isolado através da aproximação de uma defesa alemão.

aqui, acho que a melhor situação era ter colocado no hugo.

perdigas disse...

quem é o zinedine? e o rui martins já agora! bom trabalho malta, cá estarei para ler as vossas opiniões.

bem hajam

mcarvalho disse...

O problema é que a seleção tem toda esse marcador somático bem enraizado. Quando o Ronaldo está num daqueles dias sai um Suécia-Portugal; quando não está sai empate com Israel ou goleada da Alemanha. Isto também se trabalha. E é obrigação do treinador fazê-lo.

João Ferreira disse...

Antes de mais, dizer que para mim a melhor decisão do lance teria sido conduzir em direção ao Hummels, fixando-o e libertando depois para o Almeida. Primeiro porque a recepção\condução sempre que possível deve ser orientada para a baliza, aumentando as probabilidades de quem conduz obter circunstâncias ideais para finalizar... coisa que ele não fez. Segundo porque ao transportar a bola obriga quem defende a decidir, em pressão, ajustes posicionais imediatos e o timing de saída, que eventualmente deixará alguém sozinho... coisa que ele não fez.

Agora, importa perceber a orientação referencial daquilo que é a melhor decisão "no papel" com os estímulos positivos adquiridos. Se a qualidade de uma decisão é o aproximar a equipa do golo, sendo o futebol um jogo coletivo o primeiro critério deve ser sempre o contexto posicional da situação. Mas aqui entram os marcadores somáticos. Todo e qualquer jogador conhece as suas características e vai abordar o jogo de maneira muito própria, que por consequência vai afetar as suas decisões. Por exemplo, um central que tenha sucesso a jogar em antecipação vai ter sempre a tentação de o fazer assim que possível, mesmo que muitas vezes não perceba quando o deve fazer.

No entanto, este é um caso muito específico. Em lances com uma probabilidade de resolução tão elevada como são as situações de superioridade numérica, a análise posicional pode e deve superiorizar-se sobre qualquer outra razão. Logo, para mim não há outra conclusão que não a de que a opção tomada foi efetivamente má.